Marine Le Pen, a principal candidata da extrema direita à presidência da França, viu sua entrevista ao canal de notícias BFM TV ser anunciada enquanto a emissora exibia as imagens da retirada do embaixador francês de Kiev, na Ucrânia, para Lviv perto da fronteira com a Polônia. Conhecida por suas ligações com o líder russo, Vladimir Putin, a candidata sabia o que a esperava no programa. Há cinco anos, ela fora a Moscou e apertara as mãos do chefe do Kremlin durante a campanha em que foi derrotada pelo centrista Emmanuel Macron. Não adiantou Le Pen dizer que o Putin de hoje não é a mesma pessoa de cinco anos atrás. Sua fotografia com o autocrata russo foi exibida diversas vezes durante a entrevista.
Há 40 dias do primeiro turno das eleições presidenciais francesas, Le Pen não é a única candidata em maus lençóis em razão do que a imprensa francesa tem descrito como “proximidade incômoda” com Putin. Outra estrela da extrema direita, o jornalista Éric Zemmour, também está sendo fustigado pelas suas declarações a respeito do russo. O jornalista chegou a dizer que “sonhava com “um Putin francês”. Zemmour lamentava, no entanto, que tal líder não existisse em seu país. Junto com Le Pen, eles detém 33% das intenções de voto e estão logo atrás do líder das pesquisas, o presidente Macron.
O terremoto causado por Putin ameaça não só os dois: o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán é outro que está sendo cobrado pelas ligações com o invasor da Ucrânia. Após 12 anos no poder, ele enfrentará as acusações do candidato da oposição unida, o conservador Péter Márki-Zay, na eleição de 3 de abril. “Se Orbán não tivesse bloqueado a aproximação da Otan com a Ucrânia, essa guerra não teria estourado. Orbán é pessoalmente responsável pelo fato de haver guerra e por gente estar morrendo.” Orbán reagiu rápido: condenou Putin horas após o início da invasão.
Na França, até o esquerdista Jean-Luc Mélenchon, quarto colocado nas pesquisas, teve de se explicar. A exemplo dos direitistas, Mélenchon é um eurocético. No dia 1.º, ele subiu a tribuna da Assembleia Nacional e expôs sua posição a respeito de Putin, da guerra e da política externa da União Europeia. Condenou Putin e a agressão á Ucrânia. E foi aplaudido. Mas quando se disse contrário ao envio de armas pela UE à Ucrânia e às sanções contra a Rússia, viu a aprovação virar vaia. O deputado de seu partido André Quatennens recebeu a tarefa de explicar o discurso. Disse que a França deve se manter neutra para poder negociar a paz, já que a guerra não é uma alternativa entre potencias nucleares. E diferenciou a posição de Mélenchon – baseada no pacifismo – daquela de Le Pen e de Zemmour, motivada pela identidade ideológica com Putin.
Ao ser questionada pelos jornalistas da BFM, Le Pen também teve dificuldade para explicar suas diferenças com Zemmour. Ela manteve a posição de ser contrária à expansão da União Europeia, apesar de, agora, isso significar dizer não ao pedido feito ao Parlamento Europeu pelo presidente ucraniano Volodimir Zelenski.
E, mesmo condenando a ação de Putin – “ultrapassou a linha vermelha” –, Le Pen usou a economia para recusar ações mais fortes contra a Rússia. A candidata se pôs contra as sanções que “penalizem os franceses”, como as que poderiam, segundo seus cálculos, quadruplicar os preços do gás natural. Disse que era preciso “parar os combates” e foi confrontada com dados sobre os refugiados.
Em duas oportunidades, os jornalistas interromperam a entrevista para exibir o som das sirenes de ataque aéreo em Kiev, enquanto a candidata observava. “É desonesto agir nesse terreno. Eu falava com um dirigente Putin< que havia refeito o país após 70 anos de comunismo. Mas se ele utiliza esse poder mal, não posso, evidentemente, concordar.” Ao ser questionada sobre o envio de armas da UE à Ucrânia, Le Pen disse “ter reservas”, pois “isso faria de nós cobeligerantes”.
A virada da UE e a decisão dos EUA e aliados de provocar o colapso econômico russo, deixou a extrema-direita europeia surpresa. Os adversários de Le Pen lembraram os laços financeiros dela com o Leste Europeu como razão do desconforto. Em 2014, segundo o jornal Le Monde, seu partido emprestou 9 milhões de euros de uma empresa russa dirigida por antigos militares, a Aviazapchast. Para esta campanha eleitoral, ela apanhou um empréstimo de € 10,6 milhões em um banco húngaro, país dirigido por Orbán, outro aliado de Putin.
Virando a casaca
Outros líderes da extrema-direita europeia também mudaram sua posição em relação a Vladimir Putin. Esse foi o caso do líder de Matteo Salvini, líder da Lega, que uma vez se fez uma vez se fez fotografar em Strasbourg, no Parlamento Europeu com uma camiseta com a foto de Putin.
Contrário à política imigratória da União Europeia, Salvini criticou o presidente italiano Sergio Matarella, para quem o fechamento das fronteira do bloco não resolveria a crise imigratória. Salvini escreveu então: “Troco dois ‘Mattarellas’ por meio Putin” Era novembro de 2015. Também vestia camisetas contra as antigas sanções à Rússia após a anexação da Crimeia. Na última semana, virou a casaca. Levou floresà embaixada da Ucrânia, em Roma e escreveu: “Uma oração pela paz”. As eleições na Itália são em 2023.