De olho na eleição, Bolsonaro usa viagem a Rússia e Hungria para mobilizar sua base ideológica

Presidente tenta se projetar como um líder ainda relevante no cenário internacional, apesar de as duas visitas aprofundarem isolamento

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Por Carolina Marins
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Depois de provocar críticas por insistir em viajar ao Leste Europeu apesar das tensões na Ucrânia, Jair Bolsonaro (PL) retorna sem resultados para a política externa do Brasil. Por outro lado, os encontros com Vladimir Putin na Rússia e Viktor Orbán na Hungria serviu para inflamar a base eleitoral mais ideológica do presidente, visando apenas às eleições.

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Bolsonaro chegou na última terça-feira, 15, em Moscou, enquanto o governo americano sinalizava que uma invasão russa à Ucrânia poderia ocorrer a qualquer momento. No dia seguinte, o presidente se reuniu com Putin e insinuou que sua presença havia contribuído para o anúncio russo de recuo das tropas, uma informação falsa que sua base já estava compartilhando desde o dia anterior.

Nesta quinta-feira, 17, ele desembarcou em Budapeste, onde se encontrou com o líder autoritário Viktor Orbán. Se na Rússia a orientação era para que evitasse falar da crise na Ucrânia para impedir atritos com os aliados da Otan, na Hungria ele chamou o homólogo de irmão, mostrou alinhamento ao tema migratório - no qual Orbán tem posições xenofóbicas - e utilizou um lema fascista. 

O presidente Jair Bolsonaro e o premiê húngaro, Viktor Orbán, reuniram-se em Budapeste; Bolsonaro chamou líder de extrema direita de 'irmão'. Foto: EFE/EPA/Vivien Cher Benko

“Para a política externa brasileira não é exatamente um momento marcante e que vai trazer como o saldo muita cooperação e algum tipo de consequência palpável”, explica o professor Dawisson Belém Lopes, pesquisador sênior do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). “O que talvez possa ficar para Jair Bolsonaro é a oportunidade de, junto às suas bases, projetar uma imagem de estadista de alguém que circula nos foros diplomáticos”.

“Não fica evidenciada qual foi a agenda da viagem para além de latitudes e coisas superficiais que foram ditas, como por exemplo cooperação em tecnologia militar e uma certa afinidade no campo da moral e dos valores”, completa.

Desde que a crise na Ucrânia se agravou, o presidente foi pressionado a cancelar a viagem. O mal estar teria chegado ao Itamaraty, com relatos de uma suposta pressão americana contra a reunião. A seus apoiadores no cercadinho do Palácio do Planalto, no entanto, Bolsonaro garantiu que a viagem estava mantida e ainda reforçou que estava indo ver “conservadores”.

“Essa viagem foi importante para ele se projetar como estadista e demonstrar que ele não está isolado. Isso tem sido um elemento importante na retórica bolsonarista”, concorda Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais na Fundação Getulio Vargas (FGV). “Estão falando que não assinaram muito coisa, é verdade, mas também esse não foi o objetivo da viagem”.

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“Isso não quer dizer que tenha sido uma viagem inútil. Sobretudo com a Rússia. O Brasil tem uma longa tradição de manter laços cordiais. Mas eu diria que o objetivo foi mais de projeção interna do que de política externa, como acontece quando dois países buscam avançar uma agenda específica, como acordo de livre comércio, por exemplo”, pontua Stuenkel.

Porém, não agrega votos

Mas ainda que a viagem visasse às eleições de outubro, ela pouco agrega em termos de votos, explicam os especialistas, já que a base bolsonarista que vê como positivo um encontro com Putin e Orbán é a mesma que já votaria no presidente de qualquer forma.

“Quem está disposto a acreditar na narrativa bolsonarista de que Jair Bolsonaro teria ido à Rússia para evitar uma guerra e portanto seria uma figura de grande relevância no contexto internacional já vota em Bolsonaro de qualquer maneira”, aponta Dawisson Belém Lopes.

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Mesmo antes do presidente desembarcar em Moscou, as redes bolsonaristas já compartilhavam que o presidente estava “evitando a terceira Guerra Mundial”. A mentira foi postada pelo ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que disse estar sendo irônico. Mas após o encontro com Putin, o próprio Bolsonaro sugeriu que não seria coincidência a suposta retirada de tropas russas no mesmo dia de sua visita.

"Quem não está disposto a acreditar nisso, e não acredita nessa narrativa, não vai se tornar um eleitor de Bolsonaro depois desse festival aí de memes e de tentativas de manipulação discursiva que foram feitas nos últimos dias”, pontua o pesquisador do Cebri. “Até ex-ministro de Estado embarcou nessa tentativa de transformar Bolsonaro em uma figura de alguma expressão no plano internacional. É uma tentativa fadada ao fracasso.”

Desde segunda-feira, a Rússia diz que está retirando parte de sua força militar da fronteira ucraniana, uma informação, no entanto, não confirmada pela Otan. Na realidade, os EUA dizem ver um aumento do número de soldados na fronteira e uma preparação militar intensa. Hoje, os aliados repetiram que a Rússia pode usar um falso pretexto, como ataques separatistas, para invadir.

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Na Hungria, o único irmão

Se na Rússia havia assuntos a se discutir nas áreas agrícola e de tecnologia, na Hungria Bolsonaro apenas destacou sua comunhão de valores com Orbán. Ao fazê-lo, o presidente voltou a usar uma versão ampliada do lema da Ação Integralista Brasileira (AIB), movimento fascista nacional que teve força na na década de 1930, "Deus, pátria, família e liberdade" - com acréscimo deste último.

Porém, ao visitar o líder autoritário europeu - e ainda reforçar seus valores - na tentativa de não parecer isolado, Bolsonaro acentua esse isolamento, segundo observa Oliver Stuenkel. “Certamente ele não conseguiria encontrar hoje o Olaf Scholz ou o Emmanuel Macron, a não ser que ele estivesse disposto a fazer algum anúncio importante em relação a questão  climática ou algo assim. Sem isso ele não é bem-vindo. Isso explica porque a viagem se limitou a Moscou e Budapeste”.

“Até mesmo o governo da Polônia preferiu não recebê-lo”, destaca. “O embaixador da Polônia mobilizou-se aqui para desfazer esse mal-estar que houve nos bastidores. Porque o governo polonês não quer ser associado aos húngaros e obviamente não quer ser o destino do Bolsonaro nesse momento que ele tem uma imagem muito tóxica nas principais economias europeias.”