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De volta à Guerra Fria

Em uma era dominada por armas cibernéticas e drones, antigos movimentos de disputa por poder aparecem no Oceano Pacífico

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Por Redação
Atualização:

Neste momento em que as atenções do governo de Barack Obama se concentram em novas formas de conflito - e países usam armas cibernéticas e drones para ampliar seu poderio -, a perigosa disputa que eclodiu repentinamente pela posse de algumas ilhotas no Mar do Leste da China parece quase uma volta à Guerra Fria.

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De repente, navios e patrulhas aéreas tornam-se elementos típicos de um conflito subterrâneo entre Washington e Pequim que, segundo americanos, poderia fazer naufragar um complexo projeto para administrar a ascensão da China sem tentar contê-la abertamente. Como na Guerra Fria, a disputa territorial imediata parece ser uma desculpa para mascarar a questão mais ampla: definir quem exercerá influência sobre uma vasta região.

Consequentemente, enquanto os chineses estão cada vez mais determinados a afirmar sua reivindicação territorial, os aliados dos EUA também decidiram enviar equipamentos militares para a região - na disputa velada de um poder mais amplo no Pacífico. 

Agora, esse posto marítimo avançado que tinha uma modesta importância estratégica está assumindo um enorme significado simbólico. A Coreia do Sul, profundamente preocupada com o poderio regional da China, está construindo uma nova base naval para 20 navios de guerra, incluindo submarinos, alegando que precisa proteger corredores vitais no Mar do Leste da China para o transporte de exportações - como muitos produtos eletrônicos destinados a Pequim. 

Depois de dependerem por muito tempo de bases americanas em Okinawa de apoio às suas limitadas patrulhas na área, os japoneses pretendem construir uma nova base para as Forças Armadas até 2016 numa pequena ilha desabitada perto das ilhas em disputa, conhecidas como Senkaku pelo Japão e Diaoyu pela China. Os japoneses planejam além disso utilizar mais F-15 e aviões-radares para Okinawa e um novo porta-helicópteros. 

Pela primeira vez, estudam a possibilidade de comprar drones americanos não armados para patrulhar a área, no âmbito de uma mudança de estratégia militar que se estenderá por três anos no que diz respeito às suas ilhas meridionais e à China. Tudo isso faz parte de uma mudança fundamental da própria visão nacional do Japão como país mais disposto e capaz de se defender do que em qualquer outro momento desde a 2.ª Guerra, em parte em razão das dúvidas relativas ao compromisso dos EUA com a região. 

Enquanto o vice-presidente Joe Biden partia para o giro por Tóquio, Seul e Pequim - a mensagem do governo salientava que todas as partes precisam arrefecer os ânimos e não permitir que a retórica nacionalista agrave uma situação já tensa. 

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Biden encontrará países que estão reexaminando a interação das autoridades civis e militares. Nas últimas semanas, por razões distintas, Japão e China aprovaram separadamente a criação de um conselho nacional de segurança. Para o Japão, trata-se de uma iniciativa destinada ao fortalecimento da posição do primeiro-ministro numa época de crise, conceito ao qual o organismo político japonês resistiu durante muito tempo em decorrência do legado da 2.ª Guerra. 

Para a China, aparentemente trata-se de uma medida adotada pelo presidente Xi Jinping para exercer certo controle sobre todos aspectos do poder nacional que seu predecessor imediato, Hu Jintao, nunca dominou completamente. O interessante é que quando a China enviou seu porta-aviões para outro ponto potencial de conflito, o Mar do Sul da China, sua rota evitou as ilhas em disputa, talvez num sinal de que os chineses têm consciência de que podem ter exagerado a mão. Em particular, funcionários americanos afirmam temer que um pequeno incidente - uma colisão como a que ocorreu há cerca de 12 anos entre um avião espião americano e um caça chinês ao largo da Ilha de Hainan, possa agravar rapidamente a situação. 

Um dos atuais assessores de Obama afirmou: “Está bastante claro que a questão não tem realmente a ver com as ilhas”. O funcionário acrescentou que se trata do desejo de alguns na China, incluindo expoentes do Exército de Libertação Popular e talvez da nova liderança política, “de se afirmar de uma maneira que até recentemente não tiveram a capacidade militar de fazer”. O assessor acrescentou: “Eles afirmam que é em resposta à nossa tentativa de contê-los, mas nossa análise é que, na realidade, o que pretendem é aumentar sua presença no Pacífico”. 

Em sua última viagem à Ásia como secretário da Defesa, Robert Gates disse, em janeiro de 2011, que acreditava que o objetivo dos chineses era empurrar os EUA para “o segundo arquipélago”, ainda mais longe, no Pacífico, com a finalidade de manter navios e aviões americanos distantes da costa chinesa. Hoje, dois anos mais tarde, funcionários de Obama não se manifestam publicamente, mas esse é um tema recorrente na avaliação da inteligência americana sobre as Forças Armadas chinesas, temperado pela evidência de que alguns funcionários chineses temem desencadear uma reação negativa caso avancem demais. 

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Trata-se de um ciclo que se repete nas relações de Obama com os chineses. Em 2010, uma série de episódios provocada pela venda de armas americanas a Taiwan e pelo incidente entre um navio da guarda costeira japonesa nas Ilhas Senkaku/Diaoyu e um capitão chinês alcoolizado, levou a China a cortar as relações militares entre Pequim e Washington e a venda aos japoneses de metais terras raras, usados na fabricação de produtos eletrônicos. 

As medidas foram de breve duração, e no fim do ano funcionários chineses de alto escalão, chefiados pelo conselheiro de Estado Dai Bingguo, alertaram que as ações da China estavam empurrando os países da região nas mãos dos EUA. “Alguns falam que a China quer substituir os EUA e dominar o mundo”, escreveu Dai. “Isso não passa de um sonho”. 

Dai deixou o cargo e o governo Obama agora tenta imaginar como interpretar cada ato chinês do governo de Xi, cuja zona de defesa aérea foi considerada a mais calculada e, talvez, a mais importante. Muitos países reivindicam essas ilhas. A China estava ciente de estar reivindicando um território em disputa . 

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Obama respondeu imediatamente ordenando o envio de dois bombardeiros B-52 não armados em missões definidas pelo Pentágono como “de rotina” sobre a área. Eram de rotina, mas a ninguém escapou a escolha do momento e o seu simbolismo. Agora a Casa Branca enfrenta a tarefa mais complexa de sua resposta no prazo mais longo. Para cumprir a promessa do “pivô” da Ásia, o presidente terá de convencer o Congresso e os aliados da região, de que pretende dedicar uma maior atenção militar, diplomática e econômica a essa área - não para conter a China, ressalta, mas para preservar e fortalecer o papel dos EUA de mantenedor da paz no Pacífico. 

Será uma árdua tarefa no momento em que são necessários cortes do orçamento do Pentágono, em que o país se dispõe a tratar dos problemas nacionais e da criação de um programa de segurança nacional concentrado no Irã, na Síria e no futuro do Oriente Médio.

TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

*DAVID E.SANGER É JORNALISTA

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