De volta ao mundo, China se modernizou

Até o encontro, a China comunista havia lutado seis guerras, uma delas contra os EUA

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Por Cláudia Trevisan , CORRESPONDENTE e PEQUIM
Atualização:

PEQUIM - A mais importante relação bilateral de hoje começou a ser construída há 40 anos, quando o então presidente dos EUA, Richard Nixon, foi recebido em Pequim pelo líder comunista Mao Tsé-tung – encontro que surpreendeu o mundo e abriu caminho para a futura integração da China à economia capitalista.

 

 

A reaproximação começou com a visita da equipe americana de pingue-pongue à China, em abril de 1971. A ida de Nixon a Pequim, entre fevereiro e março de 1972, indicou que o republicano da Califórnia e o revolucionário da Província de Huan estavam mesmo determinados a encerrar uma era de silêncio.

Os dois países tinham um adversário comum, a URSS, o que facilitou a aproximação apesar das diferenças ideológicas. "Nixon deu garantias de segurança a Mao, o que permitiu que ele abandonasse sua política de confrontação", disse Jin Canrong, da Universidade do Povo da China. Ele lembrou que, até aquele momento, a China comunista havia lutado seis guerras, uma delas contra os EUA (a da Coreia).

O professor avaliou que sem essa mudança seria difícil para a China embarcar no processo de reformas que teria início alguns anos mais tarde. "Dois anos depois da visita, o premiê Zhou Enlai defendeu as chamadas Quatro Modernizações", lembrou, em referência ao slogan que englobava agricultura, indústria, defesa, ciência e tecnologia.

Em 1972, Nixon desembarcou numa China isolada, pobre e ainda imersa na turbulência da Revolução Cultural (1966-1976), cuja propaganda apresentava os americanos como odiosos imperialistas. Os dois países não tinham relações e os EUA eram – e são – os principais protetores de Taiwan, a ilha na qual se refugiou o maior inimigo de Mao, Chiang Kai-shek, depois de sua derrota para os comunistas na guerra civil encerrada em 1949.

Shi Yinhong, da Universidade do Povo da China, avalia que os dois lados conseguiram atingir seus objetivos com a visita, cuja repercussão ultrapassou o relacionamento bilateral. "A vinda de Nixon à China abriu a porta para a normalização de relações com vários países."

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O Brasil, por exemplo, reconheceu a China em 1974 e os EUA, em 1979. No ano anterior à visita de Nixon, Pequim havia recuperado o assento do país na ONU, que desde 1945 era ocupado por Taiwan.

Dragão adormecido. A visita também pavimentou o caminho para o processo de reformas que decolaria em 1978 sob o comando de Deng Xiaoping e integrariam a nação comunista à globalização. Hoje a China é a segunda maior economia do mundo e a interdependência com os EUA ultrapassa o que os mais enlouquecidos otimistas poderiam imaginar há 40 anos.

Mas o tempo não foi suficiente para acabar com a desconfiança mútua, que se agravou desde a crise de 2008, o fortalecimento da China e a determinação americana de reforçar sua presença na Ásia. "O atual nível de confiança não reflete a amplitude e a profundidade da relação bilateral", observou Jia Qingguo, da Universidade de Pequim.

Muitos analistas e políticos em Washington estão convencidos de que Pequim tentará modificar a ordem internacional construída pelos EUA depois da 2.ª Guerra, da qual a China foi um dos principais beneficiários. Na mão contrária, os chineses acreditam que a maior potência global tentará impedir sua emergência e manter o status quo criado à sua imagem e semelhança.

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