Decisão de suspender vistos temporários nos EUA vai afetar meio milhão de estrangeiros

Restrição vai até 31 de dezembro e abrange todas as nacionalidades

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Por Paulo Beraldo
Atualização:

A decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de suspender a emissão de novos vistos de trabalho temporários para estrangeiros terá impacto para brasileiros que planejavam se mudar para o país ainda este ano. A estimativa do governo americano é de que 525 mil pessoas de diversas nacionalidades sejam impedidas de entrar no país com a nova regra, vigente até 31 de dezembro de 2020, em um esforço para reduzir a entrada de imigrantes à medida que o desemprego avança. As restrições, no entanto, não mudam a vida de quem já está em solo americano. 

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A medida de Trump bloqueia a emissão de vistos temporários para diversas categorias de profissionais, como funcionários de empresas de tecnologia, pessoas com diploma universitário e pesquisadores, por exemplo. Restringe também a transferência de executivos estrangeiros e outros funcionários de empresas com operações nos Estados Unidos. 

No ano fiscal de 2019, foram emitidos cerca de 30 mil vistos temporários para brasileiros nas categorias atingidas pela lei, de acordo com o Departamento de Estado dos EUA. A emissão foi suspensa para as categorias H-1B, H-2B, H-4, que tratam de profissionais qualificados e seus acompanhantes, J-1 e J-2, de pessoas que vão estudar e se qualificar nos EUA e seus companheiros, e o L-1 e L-2, sobre a transferência de profissionais de multinacionais ou empresas com operações nos EUA. 

O processamento de vistos nos consulados dos EUA no exterior já caiu drasticamente em 2020. No mês passado, os Estados Unidos concederam pouco mais de 40 mil vistos de não-imigrantes - que incluem turistas e outros visitantes de curto prazo - abaixo dos 670 mil em janeiro. Em 22 de abril, Trump já havia determinado o congelamento por 60 dias em várias categorias de vistos de imigração e do green card, que permite a estrangeiros que morem e trabalhem permanentemente nos EUA.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, écrítico da imigração desde o início de seu mandato Foto: EFE/EPA/Stefani Reynolds / POOL

Uma das pessoas afetadas é o pesquisador Paulo Laurence, que atualmente faz doutorado em distúrbios do desenvolvimento na Universidade Mackenzie. Ele planeja desde 2016 uma viagem ao exterior para aprimorar seus estudos. Seu plano originalmente era ir para Luxemburgo, mas mudou de ideia após conseguir uma orientadora nos Estados Unidos. 

“A ideia era ter ido no começo de março, antes de nos preocuparmos tanto com a pandemia aqui no Brasil. Mas a minha documentação atrasou e tive de mudar para agosto”, conta o estudante, graduado em ciências biológicas. Agora, com o consulado americano fechado e com as medidas de Trump para barrar a imigração, a pesquisa de Laurence pode ficar comprometida. 

O pesquisador Paulo Laurence Foto: Arquivo pessoal

“Como bolsista da Fapesp, posso viajar até seis meses antes do término da minha bolsa, então minha data limite para ir é 17 de dezembro. Se os Estados Unidos banirem a entrada de brasileiros até o ano que vem, eu perderia a bolsa”, lamenta o pesquisador. Laurence não teria tempo hábil de buscar outro país para abrigar sua pesquisa, e espera que a Fapesp possa flexibilizar as regras de intercâmbio nesse caso.

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“Pelo menos a minha orientadora americana está interessada, a gente tem discutido projetos. O que estamos tentando ver é de fazer coisas remotamente, ela de lá e eu daqui”, conclui Laurence.

Motivos 

Trabalhadores agrícolas, profissionais de saúde que atuam na pandemia de coronavírus e funcionários de serviços de alimentação estão livres das limitações. De acordo com o governo Trump, trabalhadores americanos competem com estrangeiros por empregos em todos os setores da economia, incluindo em trabalhos temporários. No momento, o índice de desemprego no país é de 13,3%.

"Sob as circunstâncias extraordinárias da contração econômica resultante da covid-19, certos programas de visto que autorizam esses empregos representam uma ameaça para o emprego de trabalhadores americanos", diz o documento. 

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O professor de relações internacionais da FAAP Carlos Poggio diz que a medida é inédita desde que esses vistos foram criados e tem a ver com a linha adotada pelo presidente desde que foi eleito em 2016. Poggio lembra das falas sobre a construção do muro na fronteira com o México e das críticas frequentes à imigração, mas vê um elemento novo. “Trump não é só contra a imigração ilegal, agora mostrou que é contra a imigração como um todo." 

O próprio professor poderia ter sido afetado pela nova regra. Em 2018, fez um pós-doutorado na Universidade de Georgetown, em Washington, o que não seria possível com a norma em vigor. "Se eu não tivesse obtido o visto antes, não teria conseguido ir. Essa decisão vai impactar muitos colegas, pesquisadores e estudantes que têm planos para este semestre nos EUA." 

O professor Poggio qualifica a medida, além de conservadora ou nacionalista, como 'trumpista'. "Os EUA foram um país construído a partir da imigração", diz. O pesquisador lembra, no entanto, que durante a pandemia, uma expressiva parcela dos americanos está apoiando medidas de suspensão da imigração no país. "Esse discurso nacionalista ganha mais aderência em meio a uma pandemia global".

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Uma pesquisa do jornal Washington Post com a Universidade de Maryland publicada em maio mostrou que 65% dos americanos apoiam uma suspensão temporária da imigração durante a pandemia. 

O professor Carlos Poggio, da FAAP, à direita nesta foto,não poderia ter concluído seu pós-doutorado nos EUA se a medida estivesse em vigor em 2018 Foto: Arquivo Pessoal

Reações

A medida não é unânime nem mesmo dentro do partido do presidente. O senador republicano Lindsey Graham disse que a imigração legal é positiva para a economia americana e esses programas beneficiam o país. "Aqueles que acreditam que a imigração legal, particularmente os vistos de trabalho, são prejudiciais para o trabalhador não entendem a economia americana", afirmou. "Essa decisão terá um efeito ruim sobre a nossa recuperação econômica."

Os críticos das medidas dizem que o presidente está usando a crise da saúde pública para realizar o tipo de fechamento de fronteiras e revisão da imigração que ele há muito elogia, dando a oportunidade de fazer campanha sobre as medidas em sua tentativa de reeleição. Nos últimos meses, Trump realizou uma ampla repressão na fronteira com o México e proibiu viajantes da China e de países europeus com grandes surtos de coronavírus.

Autoridades do governo Trump também disseram que emitirão novos regulamentos que negam autorização de trabalho para requerentes de asilo com pedidos pendentes por um ano, argumentando que o programa humanitário está sendo explorado por migrantes que buscam melhores oportunidades de trabalho nos Estados Unidos.

A Câmara de Comércio dos EUA criticou a medida e disse que ela pode prejudicar a recuperação econômica. "Uma placa de 'não bem-vindo' para engenheiros, executivos, especialistas em tecnologia da informação, médicos, enfermeiros e outros trabalhadores não ajudará nosso país. Isso vai nos atrasar", declarou o presidente da Câmara, Thomas Donohue.

"A ação visa diminuir a capacidade dos empregadores americanos - no setor de tecnologia e além - de contratar os homens e mulheres de que precisam para fortalecer sua força de trabalho, renovar a economia e impulsionar a inovação", criticou Jason Oxman, presidente de Conselho da Indústria da Tecnologia de Informação.

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Mark Krikorian, cujo Centro de Estudos de Imigração instou o governo Trump por anos a adotar essas restrições, chamou a ordem de Trump de "uma vitória significativa sobre os interesses corporativos". 

Três perguntas para... Fernanda Cortes, advogada de imigração da consultoria TS Immigration

O que muda para brasileiros a partir de agora? 

Na verdade, não somente os brasileiros, mas cidadãos de qualquer nacionalidade que estiverem tentando esses vistos serão impactados. O visto H-1B é para quem tem um empregador nos EUA ou vai contratar uma pessoa com qualificações, como um diploma de ensino superior. O H-2B é para também quem tem uma empresa americana querendo contratar, mas não precisa necessariamente de diploma ou especialização.

O L1 trata da transferência de executivos de multinacionais com subsidiárias nos EUA ou uma pessoa com conhecimentos especializados. O J-1, normalmente, trata de uma instituição de ensino dos EUA que patrocina uma pessoa para fazer um treinamento, como um pesquisador, um estudante. 

Quais os efeitos práticos com essa mudança na legislação?

Vale mencionar que esses vistos são todos temporários, não são vistos de imigração permanente e nem pedidos de residência. Então, daqui até o dia 31 de dezembro, as pessoas não podem pleitear esses tipos de visto. Os consulados estão proibidos de emitir esse tipo de visto. Mas, na prática, esses vistos já não estavam sendo emitidos desde março, quando os consulados fecharam. Nenhum tipo de visto está sendo emitido. 

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Qual a opção para o brasileiro neste momento?

Agora seria pleitear ao invés de um visto temporário um visto de imigrante, um green card. Pessoas que têm qualificação e experiência podem optar por outros tipos de visto permanentes. E quem está nos EUA pode atualizar o seu status para um visto permanente. Essa proclamação não afeta quem está dentro dos Estados Unidos, apenas quem está fora.   / Com informações do Washington Post 

Colaborou André Cáceres

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