Decisões recentes mostram fragilidade de promessas eleitorais para controlar Suprema Corte dos EUA

Sentenças liberais emitidas por juízes conservadores demonstram quão arriscadas são as promessas cada vez mais explícitas dos candidatos de nomear juízes que seguirão fielmente seu programa de governo

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Por Michael Schere
Atualização:

WASHINGTON - O presidente Donald Trump e o candidato à presidência do Partido Democrata, Joe Biden, tornaram a agenda da Suprema Corte um tema central das suas respectivas campanhas. Biden vem prometendo nomear a primeira mulher negra e alguém que defenda no tribunal o direito ao aborto, ao passo que Trump vem alertando para um fim da governança conservadora se Biden tiver chance de exercer sua vontade.

Mas, nesta semana, várias decisões liberais emitidas pela Suprema Corte, que é liderada por juízes conservadores, mostram a fragilidade de tais promessas cada vez mais explícitas que os candidatos dos dois partidos vêm fazendo, de nomear juízes que seguirão fielmente o seu programa de governo.

Tribunal decidiu que uma lei federal que proíbe a discriminação no local de trabalho também abrange a orientação sexual Foto: Tom Brenner / Reuters

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Dois juízes apontados pelos republicanos, incluindo a primeira escolha de Trump, o magistrado Neil M. Gorsuch, e o secretário da Justiça John G. Roberts Jr., deixaram claro que suas opiniões não serão sempre previsíveis em matérias importantes para os republicanos. Ambos se juntaram a juízes liberais esta semana e como resultado o governo sofreu uma derrota em assuntos que considera prioritários.

A Corte também rejeitou analisar temas que têm sido promovidos por conservadores, incluindo casos envolvendo direitos de armas e uma lei sobre as “cidades santuário” da Califórnia (cidades que protegem os imigrantes).

Tudo isto frustrou profundamente os conservadores. “A esquerda e a direita estão seguindo regras distintas”, disse Ralph Reed, diretor do grupo religioso conservador Faith & Freedom Coalition, após a decisão do juiz Gorsuch na segunda-feira.

As decisões que surpreenderam levaram Trump e seus oponentes democratas, com o dia da eleição se aproximando, a redobrarem seus argumentos com vistas a criar uma maioria na Corte. Ao mesmo tempo, elas introduziram mais incerteza e nervosismo no processo.

Manifestantes a favor dos direitos LGBT em frente à Suprema Corte, em Washington Foto: Saul Loeb/AFP

As apostas são altas, com os conservadores mantendo uma maioria estreita na Corte de 5-4 e a juíza Ruth Bader Ginsburg, de 87 anos, às vésperas de se aposentar nos próximos anos, possivelmente com outros colegas. Isso dará ao próximo presidente a oportunidade de influenciar no tribunal durante uma geração.

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As decisões de Roberts e Gorsuch também respaldaram o argumento de Roberts de que os tribunais não são meras extensões dos poderes governamentais. “Não temos juízes de Obama ou juízes de Trump, Bush ou Clinton”, afirmou Roberts em 2018, depois de Trump criticar verbalmente um juiz federal.

Os observadores democratas alertam que as decisões da Suprema Corte esta semana podem não definir a situação a curto prazo. O tribunal deverá tomar novas decisões na próxima semana que poderão favorecer Trump e o Partido Republicano em matérias envolvendo a publicação das declarações de imposto de Trump, restrições ao aborto na Louisiana, isenções da exigência de cobertura pelos empregadores de métodos contraceptivos para entidades religiosa e a nova estrutura do Consumer Financial Protection Bureau.

“Não acho que as pessoas devem fazer julgamentos no momento sobre a trajetória desta maioria conservadora até que novas decisões sejam tomadas”, afirmou Brian Fallon, diretor executivo do grupo progressista Demand Justice, que tem apoiado uma restruturação da Corte para debilitar a influência conservadora.

A decisão do juíz Gorsuch, demonstrando sua independência, é particularmente penosa para os conservadores uma vez que ele foi aprovado por uma pequena rede de especialistas legais conservadores, incluindo líderes da Federalist Society, que ofereceram garantias públicas das suas credenciais.

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Trump, durante sua campanha em 2016, divulgou uma lista de possíveis nomeados para a Corte para deixar claro para os conservadores que escolheria um magistrado do seu agrado, um esforço aparentemente bem sucedido para persuadir alguns políticos de direita que se mostravam reticentes com a aprovação do nome dele por Trump.

Em resposta às decisões da Corte esta semana, Trump prometeu dobrar sua aposta na estratégia, mas não admitiu admitido publicamente que foi o voto de Gorsuch que prejudicou a luta do seu governo para impedir a adoção de proteções trabalhistas para empregados gays, lésbicas e transgêneros.

Os democratas também têm expressado seu descontentamento com a força conservadora na Corte e vários candidatos durante as primárias apresentaram planos para refazer a estrutura do órgão expandindo o número de membros ou estabelecendo uma alternância.

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Biden não endossou esses planos embora tenha recuado da sua oposição, no passado, ao chamado “litmus test” (prova decisiva) para as escolhas de juízes. Quando senador, ele votou contra as confirmações de Roberts e Clarence Thomas e defendeu a nomeação de juízes mais liberais para a Corte.

Biden elogiou a decisão de sexta-feira que permitiu a continuação do programa Deferred Action for Childhood Arrivals (Daca), que permite imigrantes ilegais vindos para o país quando ainda eram crianças permaneçam nos Estados Unidos.

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“A decisão da Suprema Corte, hoje, é uma vitória que foi possível pela coragem e resiliência de centenas de milhares de pessoas favorecidas pelo programa Daca que corajosamente resistiram e se recusaram a ser ignoradas. Como disse o juiz Roberts, a ação do governo Trump era caprichosa e arbitrária."

A decisão do juiz Roberts provavelmente vai diminuir a pressão pública para mudanças mais radicais com vistas a uma reformulação da estrutura ou o equilíbrio da Corte.

“Roberts me surpreende como uma pessoa que tem consciência de como a Corte é vista”, disse Daniel Epps, professor de Direito na Universidade Washington, em St. Louis. “Quanto mais a Corte continuar dando vitórias aos dois lados nas guerras de cultura, os dois lados da nossa comunidade política, ficará mais difícil esses tipos de proposta avançarem”./ TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO 

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