Declínio da influência global americana: a 'Era da Desordem'

Conflitos locais crescentes e forças como o Estado Islâmico lançam ao mundo novos desafios

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Por RICHARD N. , HAASS e PROJECT SYNDICATE
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Eras históricas são difíceis de se reconhecer antes de terminarem. A Renascença tornou-se a Renascença apenas quando foi analisada em retrospectiva. O mesmo pode ser dito dos períodos medievais, a Era das Trevas, e inúmeras outras. A razão é simples: é impossível saber se eventos promissores ou inquietantes são isolados ou representam o início de uma tendência. Eu afirmaria, entretanto, que estamos presenciando o fim de uma era da história mundial e o princípio de outra. Há 25 anos, o Muro de Berlim foi derrubado e os 40 anos de Guerra Fria chegaram ao fim. Em seguida, tivemos uma era de predomínio americano, de maior prosperidade para muitos, a emergência de um grande número de sistemas políticos, sociedades relativamente abertas e uma paz generalizada, incluindo uma considerável cooperação entre as potências. Essa era também chegou ao fim, marcando o começo de uma época muito menos pacífica e disciplinada. O Oriente Médio está nas fases iniciais de uma Guerra dos 30 Anos da Idade Moderna, em que lealdades religiosas e políticas deverão alimentar conflitos prolongados e às vezes selvagens dentro e fora das fronteiras nacionais. Com o seu comportamento na Ucrânia e em outras partes, a Rússia desafiou o que tem sido uma ordem europeia estável com base no princípio legal segundo o qual territórios não podem ser adquiridos pela força militar. A Ásia tem permanecido em paz, mas é uma paz precária, que pode acabar a qualquer momento, em razão de um grande número de reivindicações territoriais não resolvidas, nacionalismo crescente e de uma penúria de acordos diplomáticos regionais ou bilaterais vigorosos o bastante para impedir ou moderar confrontos. Ao mesmo tempo, os esforços globais para frear a mudança climática, promover o comércio, instituir regras para a era digital e impedir ou conter surtos de doenças são inadequados. Algumas das razões pelas quais todos esses fatos vêm ocorrendo refletem mudanças fundamentais no mundo, incluindo a difusão do poder para um número maior de Estados e organizações não ligadas a Estados, mas com forte influência política, desde grupos e milícias terroristas a instituições e ONGs. Outras razões dessa crescente desordem global têm a ver com os EUA. A guerra do Iraque, em 2003, exacerbou as tensões entre sunitas e xiitas e derrubou a barreira crítica para as ambições iranianas. Mais recentemente, os EUA apelaram por uma mudança de regime na Síria, mas depois pouco fizeram para que ela ocorresse. O que surgiu na região foi um vazio preenchido pelo Estado Islâmico. Também existem explicações de caráter local para a crescente instabilidade global. O Oriente Médio sofre em razão da exagerada intolerância e da carência de um acordo sobre as fronteiras entre governo e sociedade ou o papel da religião dentro deles. A Rússia sob Vladimir Putin parece determinada a usar a intimidação e a força para recuperar partes perdidas do seu império. A Europa carece cada vez mais dos meios e de uma atitude mental para assumir um papel global significativo. Muitos governos asiáticos vêm tolerando ou incentivando o nacionalismo em vez de preparar suas populações para compromissos difíceis, mas necessários, com seus vizinhos. Isso não significa que estamos nos dirigindo para uma nova Idade das Trevas. A interdependência atua como um freio sobre o que os governos podem fazer sem se prejudicar. A economia mundial recuperou-se de alguma forma da sua depressão de seis anos atrás. A Europa, no geral, mostra-se estável, como também a América Latina e uma faixa cada vez maior da África. Medidas podem ser adotadas para debilitar o Estado Islâmico. Sanções e redução dos preços do petróleo podem levar a Rússia a aceitar um compromisso sobre a Ucrânia. Os governos asiáticos ainda podem firmar acordos regionais respaldando a paz na região. No entanto, tudo o que pode ser levado a cabo é limitado pela política interna dos países, a ausência de um consenso internacional e o declínio da influência dos EUA. O resultado é um mundo menos pacífico, menos próspero e menos disposto a enfrentar desafios. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO É PRESIDENTE DO COUNCIL ON FOREIGN RELATIONS

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