Deixem Bashir viajar a NY e prendam-no

Condenado pelo TPI por genocídio e foragido, presidente do Sudão pediu visto para participar de reunião nos Estados Unidos

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Por Luis Moreno-Ocampo
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O presidente fugitivo do Sudão, Omar Hassan Bashir, pretende participar de reunião da ONU, no fim de setembro em Nova York, sobre o futuro do desenvolvimento global. Para entrar nos EUA, ele precisa de um visto. A solicitação dá ao presidente Barack Obama a oportunidade de adotar uma posição de grande importância na lenta evolução dos esforços internacionais para impedir genocídios. Há um século, quando mais de um milhão de armênios foram exterminados, a palavra "genocídio" não existia. O assassinato de milhões era um assunto interno e nenhum país estrangeiro podia interferir. Após o Holocausto, a situação mudou. Em 1948, a Assembleia-Geral da ONU adotou uma convenção sobre o genocídio rejeitando a noção de que os governantes não devem prestar contas pelo assassinato da população. Apenas em 1988 a convenção foi ratificada. Dez anos depois, em 1998, 120 países votaram pela criação do Tribunal Penal Internacional (TPI) para julgar crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio. Os EUA não votaram. No entanto, em 2005, o presidente George W. Bush acatou resolução do Conselho de Segurança da ONU que remeteu o caso de Darfur ao TPI. Em 2008, então chefe da promotoria do TPI, solicitei a expedição de mandados de prisão contra Bashir por genocídio. Os juízes emitiram os mandados de prisão em 2009 contra Bashir por crimes contra a humanidade e crimes de guerra e em 2010 por genocídio. O desafio agora é prendê-lo. Infelizmente, a capacidade do presidente sudanês de cometer atrocidades à plena vista da comunidade internacional é maior do que a da humanidade de proteger as vítimas. Estupros e fome são suas novas armas, substituindo os ataques abertos aos vilarejos. Quem prenderá Bashir? Enquanto se mantiver no poder, as forças sudanesas certamente não o prenderão e o Conselho de Segurança da ONU não autoriza o uso da força para fazer cumprir o mandado. A única alternativa é prendê-lo durante visita a outro país. Bashir tentou visitar a África do Sul em 2009 e 2010, mas foi informado de que seria detido se o fizesse. No início deste ano, o governo sul-africano transigiu, oferecendo a ele imunidade para participar de uma reunião da União Africana, em Johannesburgo. Um juiz sul-africano ordenou sua prisão, mas Bashir conseguiu escapar quando o processo já estava em curso. Em 2013, Bashir requereu visto aos EUA para participar da Assembleia-Geral da ONU em Nova York. A embaixadora americana na ONU, Samantha Power, disse que "seria mais apropriado Bashir visitar Haia, sede do TPI". O Sudão cancelou a viagem. Obama não forneceu nenhuma indicação sobre o que fará desta vez. Com base na convenção que designou Nova York como sede da ONU, os EUA devem conceder vistos para os líderes que viajam para participar dos eventos na ONU, com a exceção limitada de razões de segurança. Com base na Carta de Nuremberg, na convenção sobre o genocídio e no estatuto do TPI, não existe imunidade para chefes de Estado implicados numa ação criminal em tribunais internacionais. Obama tem uma alternativa política. Os EUA deveriam conceder o visto a Bashir e, à sua chegada, prendê-lo e entregá-lo ao TPI, onde ele poderá apresentar os argumentos que quiser. Seria uma decisão importante. Os EUA devem fazer tudo o que puderem para isolar Bashir e expressar sua solidariedade à população de Darfur e a sua promessa de impedir e punir genocídios. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO LUIS MORENO-OCAMPO FOI PROMOTOR CHEFE DO TPI DE 2003 A 2012, ADVOGADO NO ESCRITÓRIO GETNICK & GETNICK E MEMBRO DO CARR CENTER FOR HUMAN RIGHTS POLICY NA KENNEDY SCHOOL, EM HARVARD  

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