Democracia egípcia deve amadurecer

EUA têm de intervir para que generais esperem consolidação de partidos seculares antes de Constituinte

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Por Thomas Friedman (The New York Times)
Atualização:

Tive algum tempo de sobra no aeroporto do Cairo outro dia e aproveitei para dar um passeio pela loja "Tesouros Egípcios". Não me interessei muito pelos cinzeiros e pesos de papel em forma de busto do rei Tut, mas fui atraído por um camelo de pelúcia que, quando apertado, fazia um barulho engraçado, parecido com o do animal de verdade. Virei o bicho de costas para ver onde tinha sido fabricado, e lá estava escrito: "Made in China". Agora que decidiram levar a julgamento o ex-presidente Hosni Mubarak, espero que os egípcios acrescentem às acusações contra ele o fato de ter presidido durante 30 anos um país no qual quase metade da população sobrevive com menos de US$ 2 por dia e onde 20% estão desempregados, enquanto manufaturados de baixo custo - um camelo de pelúcia, ainda por cima - são importados. A situação da economia egípcia piorou muito desde o início dos levantes, e o novo governo precisa do dinheiro para se manter vivo. Mas, sinceramente, espero que o presidente Barack Obama e a secretária de Estado Hillary Clinton compreendam que o Egito precisa de um envolvimento discreto, nos bastidores, com os generais que governam o país para ajudá-los a concluir a transição. O Exército foi ágil em traçar um rumo para a democracia: a eleição de um novo Parlamento, que redigirá a nova Constituição, foi marcada para setembro. Depois disso, um presidente civil será eleito. Existe, no entanto, um problema considerável: a revolução da Praça Tahrir foi um fenômeno espontâneo organizado de baixo para cima, e não, por um partido ou indivíduo. Maturação. Somente agora os partidos estão se formando. Se as eleições para o Parlamento forem realizadas em setembro, o único grupo que dispõe de uma rede partidária pronta para ser posta em ação é aquele que sobreviveu na clandestinidade e acaba de ser legalizado: a Irmandade Muçulmana. Só agora os seculares moderados estão formando partidos e tentando criar redes capazes de chegar a milhões de egípcios tradicionais que moram no interior, para então convencê-los a votar numa pauta de reformas, recusando soluções simples do tipo "o Islã é a resposta". "Os partidos liberais precisam de mais tempo para se organizarem", diz Naguib Sawiris, bilionário egípcio à frente do mais bem organizado dos partidos liberais, que defende uma candidatura única para evitar a divisão do seu eleitorado. Se as eleições acontecerem em setembro e a Irmandade Muçulmana obtiver uma fatia desproporcional dos votos, as consequências na redação da primeira Constituição verdadeiramente livre do Egito podem ser indesejadas. Entre elas estão emendas restringindo os direitos das mulheres, o consumo do álcool, os hábitos de vestimenta e as relações entre religião e Estado. "Teremos um Parlamento pouco representativo redigindo uma Constituição pouco representativa", pondera o ex-diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e candidato à presidência Mohamed ElBaradei.Interesses. Eleições livres são uma raridade no mundo árabe. Quando são realizadas, atraem interesses de todos - não apenas de quem vai votar. Não há dúvida que Arábia Saudita e Catar enviarão muito dinheiro a o Egito para apoiar a Irmandade Muçulmana. Os EUA não podem intervir publicamente no debate eleitoral egípcio, mas é importante que os funcionários do alto escalão do governo americano se envolvam discretamente em diálogo com os generais e os encorajem a dar ouvidos às muitas vozes que têm manifestado preocupações diante de uma eleição prematura. A revolução egípcia não acabou. Ela saiu da dramática fase das ruas e está em uma etapa aparentemente maçante, mas vital, na qual será decidido quem escreverá as regras do novo Egito. E o avanço dessa situação terá impacto em todo o mundo árabe. Espero que Obama esteja prestando atenção. Isso é incomparavelmente mais importante do que a Líbia. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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