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'Depois de tudo, nenhuma desculpa nos foi oferecida'

Hoje nos Estados Unidos, sobrevivente da guerra diz que tensão sectária era consideravelmente menor antes do início do conflito

Por RAED JARRAR , É BLOGUEIRO ÁRABE-AMERICANO , ARQUITETO. ESCREVEU ESTE ARTIGO PARA O PROGRESSIVE MEDIA PROJECT , SOBRE ASSUNTOS DOMÉSTICOS e INTERNACIONAIS.
Atualização:

Nasci no Iraque e em 2003 vivia em Bagdá. Minha família e eu passamos as primeiras semanas de março nos preparando para a invasão liderada pelos Estados Unidos. Minha tarefa era armazenar gás para o gerador, colocar fitas nas janelas e contratar uma pessoa para cavar um poço no quintal. Como temíamos, o presidente George W. Bush deu início à guerra em 20 de março. Nós sobrevivemos, mas estamos entre os afortunados. Milhões de iraquianos foram mortos, feridos, desalojados. Um dos países mais desenvolvidos da região à época da invasão, o Iraque hoje está entre os piores em termos de infraestrutura e serviços públicos. Bagdá está na mais baixa colocação no ranking de qualidade de vida, de acordo com recente levantamento global da consultoria Mercer. Sou metade sunita, metade xiita, ou "sushi" como os iraquianos chamam jocosamente filhos de casamentos mistos. Nunca questionei minha seita antes de 2003. Nem sabia quem, entre meus amigos, era sunita ou xiita. Mas hoje as divisões sectárias tornaram-se componente essencial da nova identidade do Iraque e constituem uma ameaça à sua integridade territorial e unidade nacional. A invasão e a ocupação do Iraque tiveram um impacto bastante negativo sobre os Estados Unidos também. Cerca de 4,5 mil jovens americanos foram mortos, 32 mil feridos e centenas de milhares voltaram ao seu país com traumas psicológicos. De acordo com o Prêmio Nobel Joseph Stiglitz e a professora de Harvard Linda Bilmes, os contribuintes americanos acabaram injetando US$ 3 trilhões na invasão e ocupação do Iraque e assistência aos soldados de retorno ao país. O fiasco do Iraque também afetou a credibilidade e a reputação dos EUA no mundo inteiro. Bush e seus assessores, apoiados por especialistas, enganaram a população americana. O que lhes foi dito é que o Iraque possuía armas de destruição em massa e a invasão do país protegeria o mundo de um perigo iminente. E a eles também foi prometida uma operação rápida e transparente que libertaria o Iraque e era do agrado dos iraquianos. Nada disso ocorreu. Depois de tudo, nenhuma desculpa foi oferecida aos iraquianos, nenhum político foi processado, nenhum especialista foi responsabilizado e nenhuma indenização foi paga ao Iraque. Se você não apoia a ideia de indenizar o Iraque, reflita sobre isso: o Kuwait vem sendo indenizado por um país que ilegal e imoralmente o invadiu em 1990. Esse país, acredite ou não, é o Iraque. Dez anos depois de Bush travar essa guerra sem sentido, hoje sou cidadão americano e resido em Washington. Mais do que nunca, estou ansioso para virar uma nova página nas relações entre Estados Unidos e Iraque. Mas diante do que ocorreu, não posso simplesmente varrer essa guerra para baixo do tapete. Os EUA devem desculpas ao Iraque, têm de pagar pelo que destruíram e precisam responsabilizar os indivíduos que estavam por trás daquela guerra.

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