MADRI - O Congresso espanhol aprovou nesta quinta-feira, 3, a reforma trabalhista proposta pelo governo com um voto de diferença, e graças ao erro de um deputado do opositor Partido Popular (PP). Por via remota, ele acabou votando "sim", quando deveria seguir o partido e votar "não". O PP alega que houve um problema técnico e está tentando anular o resultado.
O decreto aprovado anula a reforma de um governo conservador anterior, concedendo mais poder aos sindicatos em contratos de negociação. Ele é a pedra angular de uma série de condições para a Espanha receber a próxima parcela de € 12 bilhões (cerca de R$ 72,6 bilhões) dos fundos europeus de recuperação da pandemia.
A votação foi tão apertada que a presidente do Congresso, Meritxell Batet, ficou confusa e disse inicialmente que a validação do projeto havia sido rejeitada, o que causou um momento de surpresa na Câmara e na bancada governista, até que ela corrigiu a declaração logo depois.
Esse era apenas o início da polêmica causada pelo suposto erro do deputado do PP. O partido garante que o legislador Alberto Casero votou eletronicamente pelo "não" à validação da reforma trabalhista, mas seu voto foi contado como um "sim" e impresso em um voucher.
As tentativas do parlamentar de alertar os funcionários da Casa sobre o erro foram supostamente ignoradas, o que o partido disse infringir o protocolo de votação remota que exige a confirmação do voto por telefone. O PP apresentou uma queixa ao corpo diretivo do Congresso e prometeu ação legal se o erro não for reconhecido.
O governo de coalizão progressista, que não tem maioria na Câmara, conseguiu, após árduas negociações, garantir apoio à reforma depois que dois de seus parceiros tradicionais -- os nacionalistas bascos (PNV) e os independentistas catalães (ERC) -- decidiram votar contra.
Mas os dois deputados de um dos grupos minoritários com o qual a votação havia sido acertada, a conservadora União do Povo Navarra (UPN), decidiram na última hora votar contra, de modo que a reforma trabalhista não teria ido adiante. Mas por conta do erro do deputado do PP acabou aprovada.
O resultado apertado, 175 votos a favor e 174 contra, mais toda a polêmica sobre a recontagem mostra a dificuldade do governo em validar uma reforma que já havia sido negociada anteriormente com os dois principais sindicatos espanhóis (UGT e CCOO) e com a principal organização patronal (CEOE).
A reforma trabalhista supõe uma melhoria nas condições dos trabalhadores, reduzindo o emprego temporário, um dos principais problemas do mercado de trabalho espanhol, e dando novamente prioridade aos acordos estabelecidos pelos setores, em detrimento dos acordos de empresas.
Além disso, ela é fundamental para o país continuar recebendo fundos de recuperação europeus, já que um dos objetivos que a Espanha tinha de cumprir eram as medidas acordadas entre empregadores e sindicatos para reduzir o emprego temporário ou atualizar a negociação coletiva.
No entanto, a nova norma, que modifica a aprovada pelo governo conservador do PP, em 2012, estava prestes a descarrilar, após duras negociações lideradas pela segunda vice-presidente e ministra do Trabalho, Yolanda Díaz.
Com a rejeição do PNV e do ERC, bem como dos independentistas bascos, a unidade entre os parceiros que apoiaram o governo do socialista Pedro Sánchez nos dois anos em que esteve no cargo foi quebrada, levando à imagem inusitada desses partidos acompanhando o PP e o Vox, de extrema direita, no voto pelo "não".
Díaz, que qualificou esta reforma como a "regulamentação mais importante da legislatura", lamentou que o debate tenha ocorrido "no campo das rivalidades partidárias" e não tenha tido o apoio de toda a Câmara.
O governo e alguns dos seus principais parceiros concordam que as diferenças sobre a reforma trabalhista não implicam uma mudança nos arranjos do Legislativo, nem colocam em risco a estabilidade do Executivo de coalizão, formado pelo partido socialista (PSOE) e o grupo de esquerda Unidas Podemos.
Díaz disse que a legislação vai combater o problema crônico de desemprego da Espanha, o segundo maior da União Europeia depois da Grécia, e o trabalho precário. A Espanha é o país da UE com maior utilização de contratos temporários, abrangendo cerca de um quarto da força de trabalho.
O novo regulamento restringe as condições para seu uso, limitando-os a curtos períodos de tempo. Além disso, os fornecedores de pessoal terceirizado terão de adaptar os termos dos trabalhadores aos da empresa a que estão alocados.
Um dos grupos trabalhistas que mais se beneficia com a nova legislação é o de funcionários de hotel, conhecidos localmente como Kellys, há muito um símbolo de trabalho precário no país dependente do turismo. Diaz disse que a renda anual desses trabalhadores aumentaria cerca de € 2,5 mil (cerca de R$ 15 mil) em alguns casos./EFE e REUTERS