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Desaceleração econômica põe em xeque política russa

Turbulência deve afetar eleições regionais que acontecem hoje

Por Andrei Netto e PARIS
Atualização:

A desvalorização do rublo em quase 20%, a queda da produção industrial em 16% e o fim dos investimentos estrangeiros diretos na Rússia em decorrentes da crise econômica mundial estão reorganizando a relação de forças políticas no país. Até aqui, a cena esteve marcada por uma década de apoio irrestrito a Vladimir Putin, ex-presidente e atual primeiro-ministro, e Dmitri Medvedev, presidente. No plano interno, a turbulência que abala o sistema financeiro acentuou a troca de acusações entre governo e líderes da oposição às vésperas das eleições regionais, marcadas para hoje. No externo, a política de força impulsionada pelo petróleo perde fôlego com a queda do preço do barril. Os últimos dez dias de campanha para as eleições regionais que levarão às urnas 20 milhões de russos neste domingo fizeram o tom das críticas da oposição subir. Para o líder do Partido Comunista, Gennadi Zyuganov, o pleito de hoje "nunca foi tão sujo e imperdoável". Os ataques se referem à restrição dos protestos públicos imposta pelo Kremlin. Segundo as pesquisas, o partido de Putin e Medvedev, Rússia Unida, deve mesmo conseguir uma ampla vitória, porque a maioria das pessoas ainda não sentiu diretamente os efeitos da crise. Serão escolhidos os prefeitos das maiorias das cidades russas e os novos parlamentos de nove das 83 regiões do país. REPRESSÃO O mais violento caso de repressão aconteceu em dezembro, no porto de Vladivostok, quando centenas de manifestantes foram presos pela polícia. Alguns protestos de metalúrgicos também aconteceram nas cidades de Magnitogorsk, Lipetsk e Tcherepovets, pondo em dúvida a perenidade da "democracia controlada" de Putin. O primeiro-ministro justifica os limites aos protestos alegando que a oposição se vale da crise econômica para tentar desestabilizar o poder. Na sexta-feira, em reunião de seu partido, Rússia Unida, o ex-presidente afirmou que críticas ao governo são permitidas, "mas só dentro da lei". "O Estado tem de se defender de forma adequada", disse o ex-presidente. Putin também demonstrou temer o crescimento dos movimentos de oposição ao fazer referências indiretas às manifestações da Revolução Laranja, que tornou a Ucrânia pró-Ocidente em 2004. "Não vamos permitir que estes eventos aconteçam na Rússia como ocorreram em outros países." Percebendo o medo do governo, cerca de 400 manifestantes saíram às ruas de Moscou há duas semanas carregando laranja, em referência à revolução ucraniana. Os organizadores do pequeno protesto reclamavam da atuação do governo e pediam novas eleições presidenciais. MENOS LIBERDADE As declarações de Putin se somam às feitas por Medvedev nas últimas semanas, quando ordenou a repressão ao que chamou de "grupos extremistas". Em 2008, a violência racial e xenofóbica cresceu no país, o que levou o governo a reduzir as liberdades políticas e individuais. "Ações extremistas são perigosas nas condições atuais", disse Medvedev, referindo-se à crise econômica que derrete o sistema financeiro do país. Para a russa Sasha Koulaeva, diretora do Escritório Leste Europeu da Federação Internacional da Liga dos Direitos Humanos (LIDH), de Paris, Medvedev e Putin estão se aproveitando da crise econômica e usando-a como pretexto para endurecer ainda mais o controle sobre os partidos de oposição e os movimentos sociais. "A tendência repressiva vem de longe e a crise se inscreve entre as desculpas do Kremlin para restringir ainda mais as liberdades", denunciou a militante ao Estado. "Hoje, o que justifica as novas formas de perseguição no ambiente interno é o aumento da atividade de grupos extremistas, que é real. Mas ela não poderia justificar o que se faz contra os partidos e organizações não-governamentais, por exemplo." DESESTABILIZAÇÃO Mas se os protestos de Vladivostok não conseguiram provocar qualquer desestabilização do governo, o mesmo não se pode dizer da turbulência financeira, diz Laure Dalcourt, especialista em Rússia do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (Iris), de Paris. "A crise econômica e suas consequências sociais são suscetíveis de alterar os rumos do governo", afirmou. "O primeiro cenário é de diminuição das liberdades públicas. A outra situação possível é de mais abertura em troca do apoio popular. Mas a abertura não se concretiza." Segundo o cientista político Dmitri Orechkine, consultor da mídia independente russa, apesar dos sinais de força do Estado, parte do escalão de poder já não se reporta mais ao Kremlin com a mesma sujeição de antes. "As ordens vindas do alto não são necessariamente aplicadas na baixa escala, porque os burocratas estão mais preocupados em se preservar", afirmou em entrevista ao jornal francês Le Monde. POLÍTICA EXTERNA No âmbito externo, a diplomacia baseada no alto preço do petróleo - cujo barril beirou os US$ 150 ano passado -, perdeu força no segundo semestre de 2008 junto com as commodities. A diminuição da receita do segundo maior exportador de óleo do mundo levou os títulos da estatal Gazprom na bolsa de valores de Moscou a perder 70% de seu valor. Sem os recursos do petróleo, explica Tomas Valasek, diretor de Política Estrangeira e de Defesa do Centro para Reforma Europeia, de Londres, a saída é deixar as políticas de enfrentamento e buscar um diálogo com os Estados Unidos e a Europa, até mesmo nas questões mais delicadas, como o Irã e a relação com os vizinhos Geórgia e Ucrânia. PERSEGUIÇÃO Dmitri Medvedev Presidente da Rússia "Ações extremistas são perigosas nas condições atuais" Sasha Koulaeva Pesquisadora em Paris "A tendência repressiva vem de longe e a crise se inscreve entre as desculpas do Kremlin para restringir ainda mais as liberdades. Isso não poderia justificar o que se faz contra os partidos e ONGs, por exemplo"

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