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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Desconfiança sobre resultado da eleição representa retrocesso na Venezuela

Desde o boicote de 2005, oposição procurou reforçar credibilidade do sistema eleitoral

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Eleições são um momento-chave em uma democracia: servem para validá-la ou lançá-la no descrédito. Imediatamente depois de o candidato da oposição, Henrique Capriles, colocar em dúvida a vitória de seu rival Nicolás Maduro, e exigir a recontagem dos votos, a presidente do Conselho Nacional Eleitoral, Tibisay Lucena, afirmou que o resultado era “irreversível”. Ela tomou essa decisão de forma autocrática, sem consultar os outros quatro conselheiros (três deles, reconhecidamente chavistas), e sem analisar os argumentos e eventuais evidências da oposição.

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Doutora em sociologia, Tibisay preside o CNE desde 2006, quando o então presidente Hugo Chávez promoveu uma reformulação do processo eleitoral, de modo a dar-lhe credibilidade, depois da traumática eleição de dezembro do ano anterior para a Assembleia Nacional, boicotada pela oposição, que colocou em dúvida o sigilo do voto eletrônico. Até a última eleição presidencial, em outubro do ano passado, Tibisay procurava preservar uma imagem de isenção, embora se soubesse de sua simpatia pelo chavismo.

A morte de Chávez, no mês passado, e a aparente fragilidade da candidatura de Maduro, parecem ter tido impacto sobre Tibisay. Nas últimas semanas, ela passou a ser vista com um distintivo azul, vermelho e amarelo no braço esquerdo – à moda dos militantes chavistas. Permitiu o uso irrestrito da televisão pela campanha de Maduro, e a transferência de seu domicílio eleitoral, em violação das regras, do Estado de Carabobo para Caracas.

As urnas na Venezuela são eletrônicas. Mas, em contraste com o que ocorre no Brasil, isso não representa garantia de lisura, aos olhos dos oposicionistas.  Ao contrário. Em 2004, depois de a oposição obter o número necessário de assinaturas, foi realizado um referendo revogatório do mandato de Chávez. O resultado oficial, 59% para o “não” e 41% para o “sim”, foi colocado em dúvida pela oposição. Mas o mais traumático foi o que se seguiu: partidários de Chávez distribuíram CDs com listas de eleitores que votaram “sim”. Funcionários públicos dentre eles perderam seus empregos; empresários passaram a ter problemas nas relações com o Estado, e até cidadãos comuns relataram dificuldades de obter documentos e outros serviços públicos.

A desconfiança culminou no boicote das eleições parlamentares de dezembro de 2005, que deixou a oposição sem representação na Assembleia. Os oposicionistas avaliaram que o boicote favoreceu o chavismo, e a partir daí passaram a esforçar-se para garantir a seus eleitores que era seguro votar na Venezuela. As eleições de domingo, que tiveram o espetacular comparecimento de 79%, lançam a oposição em um novo dilema, e representam um retrocesso de quase uma década para a democracia venezuelana.

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Os simpatizantes do chavismo costumam argumentar que o processo eleitoral nos Estados Unidos também é falho, e citam a traumática eleição presidencial de 2000, quando Al Gore teve mais votos populares que George Bush, mas perdeu no colégio eleitoral, por causa da votação na Flórida, onde houve problemas com a marcação das cédulas em algumas seções eleitorais. Mas há uma diferença importante: a imensa maioria dos americanos confia nas instituições de seu país, como a Suprema Corte, que só interrompeu o julgamento sobre a recontagem dos votos quando o Partido Democrata retirou o pedido. Na Venezuela, dá-se oposto.

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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