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Desejo de escravizar

Por GILLES LAPOUGE
Atualização:

Há quatro anos, a Áustria e o mundo, estarrecidos, tomavam conhecimento de uma jovem de 18 anos que havia conseguido fugir da prisão em que um homem a mantinha prisioneira, no subsolo de uma bela casa na periferia de Viena. Natascha Kampusch havia sido sequestrada por Wolfgang Priklopil (engenheiro da Siemens e grande admirador de Hitler) quando ela tinha 10 anos. Portanto, passou oito anos convivendo com seu algoz, separada do mundo. No mesmo dia em que a jovem conseguiu fugir, Priklopil se suicidou. Depois disso, silêncio total. Ou antes, boatos, suspeitas. E, finalmente, acaba de aparecer a crônica escrita pela própria jovem. Os 50 mil exemplares do livro esgotaram-se em dois dias. Ele agora está sendo reeditado e traduzido para o inglês. Alguns leitores curiosos se sentirão decepcionados - aqueles que esperavam que a jovem descrevesse as sevícias sexuais por ela sofridas. Mas, ao contrário, ela não fornece detalhes. Por outro lado, apresenta abundância de pormenores sobre as técnicas aplicadas por Priklopil para submetê-la totalmente. Ficamos sabendo que ele estava menos preocupado em satisfazer desejos sexuais escabrosos do que em impor seu domínio absoluto a Natascha. No interfone que ligava a prisão da jovem ao algoz, a frase mais ouvida era: "Obedeça! Obedeça! Obedeça!" Nos primeiros dias, o engenheiro fez uma promessa: "Jamais baterei em você. Você é muito pequena." Mas a promessa foi logo esquecida. Natascha chegou a apanhar 200 vezes por semana, E estas violências eram frequentemente extremas: ele a obrigava a ficar com a cabeça debaixo d"água, e apertava sua traqueia para fazê-la sufocar. É difícil imaginar o horror vivido pela menina. O que ele queria na verdade? "Me tornar sua escrava", diz Natascha. Ele queria destruí-la, para fazê-la renascer. Ele me dizia: "Sou sua família. Você não tem mais passado. Eu te criei." Depois de um ano, ele lhe deu um outro nome. Ela passara a se chamar Bibiana, nome aliás que ela própria escolheu no calendário dos Santos. Aos 14 anos, Priklopil inventou um novo exercício de sadismo. Explicou a Bibiana que seus pais se haviam recusado a pagar o resgate para libertá-la. Era uma mentira. Mas Natascha se sentiu ainda mais abandonada. Tentou o suicídio. "Nunca fui até o fim. O instinto de sobrevivência venceu." E depois da fuga? Novo sofrimento. Algumas pessoas insultavam Natascha, a chamavam de mentirosa, a recriminavam por querer chamar a atenção da mídia. Surgiam revelações sobre os supostos cúmplices do sequestrador, sobre as relações que Natascha mantinha com ele. Em seu livro, ela faz algumas análises que alimentarão novas suspeitas. Ela descreve seu algoz como um "criminoso", mas não mostra ódio algum. Fala dele como de um indivíduo doente. Será que ela conseguiu se salvar? Ela ainda não encontrou uma existência normal; passa a maior parte do tempo em seu apartamento, e comprou a casa do engenheiro e seu carro. Fetichismo? "Não", responde. Era preciso impedir que eles se tornassem objetos diabólicos, instrumentos de desejos mórbidos. / TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLAÉ CORRESPONDENTE EM PARIS

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