Deslize de Olmert sobre programa nuclear abre crise em Israel

Críticos dizem que premier violou a política de "ambigüidade estratégica", mantida há décadas pelo país, que não nega nem afirma a posse de armas nucleares

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Por Agencia Estado
Atualização:

Um deslize do primeiro-ministro israelense, Ehud Olmert, sobre a capacidade nuclear de Israel abriu uma crise política interna e abalou ainda mais um já impopular chefe de governo. Numa entrevista a uma emissora de tevê alemã e levada ao ar na noite da última terça-feira, Olmert aparentemente incluiu seu país entre as poucas potências nucleares do planeta. Em Israel, considera-se que Olmert tenha violado a chamada política de "ambigüidade estratégica", mantida há décadas pelo país. Por essa política, o governo israelense não confirma nem nega que possui armas nucleares. Questionado pelo entrevistador sobre o comportamento do Irã com relação a Israel, Olmert respondeu que seu país "nunca ameaçou aniquilar ninguém". "O Irã, de forma aberta, explícita e pública, ameaça riscar Israel do mapa", comentou. "Você acha que se pode dizer esse tipo de coisa, quando se deseja ter armas nucleares, de países como Estados Unidos, França, Israel ou Rússia?", questionou. Segundo a avaliação de especialistas no assunto, Israel seria o detentor do sexto maior arsenal atômico do planeta, além de ser a única potência nuclear bélica no Oriente Médio. Robert Gates Os comentários de Olmert foram feitos poucos dias depois de Robert Gates, nomeado como o novo secretário de Defesa dos Estados Unidos, ter identificado Israel como potência nuclear bélica durante sabatina no Congresso americano. Os comentários de Gates preocuparam autoridades israelenses. Nesta terça-feira, as palavras de Olmert foram estampadas na primeira página dos principais jornais de Israel. Ao mesmo tempo, enquanto rivais políticos exigiam a renúncia do Olmert, assessores do primeiro-ministro trabalhavam incansavelmente para passar a impressão de que o chefe de governo fora mal interpretado. Miri Eisin, porta-voz de Olmert, disse que o primeiro-ministro fez durante a entrevista uma "relação de nações responsáveis", e não uma lista de potências nucleares. De acordo com ela, as palavras de Olmert foram retiradas do contexto. "Ele disse claramente que Israel não será o primeiro a introduzir armas nucleares no Oriente Médio", assegurou. Premier comentarista Mas a ação dos assessores de Olmert parece ter contribuído pouco para conter o falatório sobre a questão, criando um novo problema para um primeiro-ministro ameaçado pela perda de popularidade desde a desastrosa campanha militar promovida por Israel contra o Hezbollah no Líbano entre julho e agosto. Num editorial de primeira página, o jornal israelense Haaretz criticou Olmert por aparentemente ter-se "esquecido que é primeiro-ministro e se comportado como um mero comentarista" ou político do baixo clero. Yossi Beilin, líder do Partido Meretz (pacifista, de oposição), criticou Olmert por seu "descuido". Segundo ele, isso "pode servir como um indício de que ele não está apto a ocupar o cargo de primeiro-ministro". O ex-chanceler Silvan Shalom, do ultraconservador Partido Likud, também de oposição, disse que o comentário de Olmert pode complicar os esforços de Israel para obter apoio da comunidade internacional com o objetivo de impedir que o Irã obtenha ou desenvolva armas nucleares. Na opinião de Shalom, Olmert "dá munição" aos inimigos de Israel, permitindo a eles que questionem: "Por que apenas o Irã representa um problema se Israel confirma a posse do mesmo tipo de arma?" Um dos poucos a defender Olmert foi o aliado Benjamin Ben-Eliezer, um ex-ministro da Defesa. "Não houve nenhum dano", assegurou ele em entrevista à Rádio do Exército de Israel. Enquanto isso, Mordechai Vanunu, o homem que revelou parte dos segredos nucleares de Israel a um jornal britânico e que por isso passou 18 anos na cadeia, manifestou a esperança de que as palavras de Olmert não sejam um erro, "mas sim o início de uma mudança de política" por meio da qual Israel admita a posse de armas atômicas. Na opinião de Shlomo Brom, um analista do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade de Tel-Aviv, tudo não passa de um mal-entendido. "Há muito barulho por nada", acredita ele.

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