Desta vez é pra valer? Cinco dicas

Para um acordo, devemos ver cartas de garantia, um texto de negociação com mapas e o envolvimento total dos EUA - o que inclui seu presidente

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Atualização:

Há muita coisa que não sabemos (ainda) sobre os esforços do secretário de Estado americano, John Kerry, para uma retomada das negociações de paz entre israelenses e palestinos. Que garantias os EUA oferecem aos dois lados? Que compromissos as partes firmaram com Kerry - aliás, quais são os termos da retomada das conversações? Uma coisa que sabemos é que, com árabes e israelenses, nada vem rapidamente - só o fracasso. Os lados têm duas velocidades quando se trata de negociações: lenta e mais lenta. Vai ser um processo demorado e complexo. E, por enquanto, o silêncio tumular que Kerry mantém sobre os detalhes do que está fazendo é impressionante. Então, como saberemos se o processo está no trilho certo e não será mais uma empreitada cheia de condicionais? Eis cinco coisas no lado americano que eu consideraria. 1. Há termos escritos de referência ou cartas de garantia? Por enquanto, o esforço de Kerry parece suspenso em algum lugar entre conversações sobre conversações e negociações de fato. É preciso construir uma ponte para ir de umas às outras. E essa ponte consiste em parâmetros ou termos de referência - por exemplo, fronteiras de junho de 1967, reconhecimento de Israel como Estado judeu, desmilitarização de um Estado palestino - que balizarão as negociações. Em 1991, o então secretário de Estado James Baker usou cartas de garantia com eficácia para atrair as partes para a conferência de paz de Madri. Mas Madri tratou de processo, não de substância. Se daqui a dois meses israelenses e palestinos ainda estiverem disputando esses parâmetros ou repudiando publicamente o que haviam acordado em privado, saberemos que o esforço segue na direção errada. A ambiguidade faz parte de todo processo diplomático, e há dez anos ela também poderia ter funcionado neste caso. Mas esse processo tem pouca credibilidade e a falta de clareza o matará. 2. Há um texto de negociação (e mapas, também)? Você saberá se esse processo está ficando sério quando os negociadores começarem a colocar as coisas no papel. E um texto de negociação - seja algum tipo de agenda ou um acordo estrutural sobre várias questões centrais - é crucial não só para um acordo, mas para a maneira como as negociações são organizadas. Ainda é cedo para esperar o surgimento de um texto comum. Mas sem um desses o quanto antes, mesmo no nível de princípios gerais, pode-se perfeitamente pendurar um cartaz de "fechado para a temporada" no processo e em qualquer esperança de acordo. 3. Haverá propostas de mediação dos americanos? Ainda é cedo para dizer. Kerry precisa deixar que os dois lados se engajem diretamente. Mas ele deve saber que, com a exceção do tratado de paz israelense-jordaniano, todos os outros acordos não saíram de conversações diretas, mas também contaram com mediação americana. Oslo, a menina dos olhos das conversações diretas, fracassou. Em algum ponto, as diferenças entre as grandes questões não poderão ser resolvidas sem uma intervenção americana. Isso significa que os EUA terão de atuar no desenvolvimento de ideias e propostas. Se não estiverem à altura disso ou se não estiverem preparados para ser justos, as conversas não vingarão. 4. Kerry terá um enviado especial? Ele precisa. Após seis viagens ao Oriente Médio e centenas de horas adicionais gastas, o secretário de Estado já percebeu que não pode ser o Cavaleiro Solitário do processo de paz. Trazer o vice-consultor para Assuntos Jurídicos, Jonathan Schwartz, para as negociações foi a decisão mais sábia que Kerry tomou. Schwartz não é somente um brilhante advogado, como também pensa adiante, antecipando de maneira calma e distinta as necessidades e requisitos de israelenses e palestinos no que diz respeito à substância. Minha sensação de que as coisas estão ficando sérias foi de 0 a 100 quando soube que Schwartz estava envolvido. Neste momento, ele é a única memória institucional que Kerry tem, mas será preciso mais que um advogado brilhante para tocar o assunto. Se as conversações se transformarem em negociações, Kerry vai precisar de alguém com experiência em Oriente Médio. Apesar dos talentos do staff do secretário de Estado, Kerry precisará de um emissário subordinado diretamente a ele para cuidar disso, alguém que conhece os atores e as questões. Essa decisão precisa ser tomada o quanto antes. Um candidato mencionado com destaque é Martin Indyk, ex-embaixador dos EUA em Israel. 5. Obama se envolverá? A resposta curta à pergunta é "sim" - se as conversações sugerirem êxito. Se não, continuarão sendo um processo de paz de John Kerry. Fazer o presidente se comprometer dependerá de o secretário de Estado trazer os dois lados ao ponto em que as diferenças possam ser superadas. Estamos longe disso. No fim das contas, o presidente, e não Kerry, terá de firmar esse acordo - e arriscar seu capital político no processo. Aliás, um acordo significará fazer os dois lados irem muito além do que estão preparados para fazer. E, no caso de Israel, isso poderia ser complicado. Kerry poderá ser bem-sucedido? Prever o desfecho é um exercício inútil. Minha análise tem sido historicamente negativa, não por razões ideológicas, preconceito ou mudança de carreira. Minha avaliação decorre da concordância com um dos grandes filósofos dos EUA, Groucho Marx, em O Diabo a Quatro: "Em quem você vai acreditar, em mim ou em seus olhos mentirosos?". Eu vejo o que vejo, e é difícil me persuadir de que um acordo sobre todas as questões que encerre o conflito, incluindo Jerusalém e refugiados, é possível agora. Isso não significa que um acordo sobre fronteiras e segurança não esteja levando a uma cidadania palestina provisória, com compromissos de negociar o restante. Mas mesmo isso exigiria um esforço heroico da parte de líderes que são, antes de tudo, políticos avessos ao risco do que grandes líderes. Poderão eles fazê-lo, mesmo assim, se forem instigados e apoiados por Kerry e Obama? Saberemos em breve. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK Artigo

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