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Dinamarca abala alicerce da UE

Por conta própria, país cria postos de controle em suas fronteiras; o fato é sério e faz parte de uma tendência

Por Christoph Schult e Der Spiegel
Atualização:

Quando ainda era governador da Baviera, Edmund Stoiber aproveitou cada oportunidade para amaldiçoar as autoridades de Bruxelas. Assim, deve ser surpreendente para alguns que o mesmo Stoiber esteja hoje lamentando o "renascimento do nacionalismo" nas capitais europeias. "Temo que a Europa esteja ruindo", disse em Bruxelas, na semana passada, o ex-líder do partido conservador União Social Cristã (USC) da Baviera. Ele foi encarregado pela Comissão Europeia de reduzir a burocracia da União Europeia (UE). O Acordo de Schengen, que eliminou o controle alfandegário e de imigração nas fronteiras internas do continente, é considerado um marco da integração europeia. Nenhuma outra política da UE inspirou por si mesma tanto entusiasmo entre os cidadãos da Europa quanto a liberdade de viajar pelo continente sem fronteiras. Impulsionada pelo Partido Popular dinamarquês, crítico da UE e marcado por uma xenofobia latente, a decisão tomada pelo governo da Dinamarca esta semana, reintroduzindo o controle alfandegário e de imigração - ainda que se resumam a pequenos postos em determinados pontos - está abalando os alicerces da Europa. O fato é sério e faz parte de uma tendência. Os antieuropeus estão em ascensão também em outras partes do continente. Na Holanda, um governo minoritário é tolerado pelo populista de direita Geert Wilders; na França, o presidente Nicolas Sarkozy disputa votos na próxima eleição com Marine Le Pen, da Frente Nacional; e, na Itália, os direitistas da Liga Norte de Umberto Bossi fazem parte do governo. Foram Roma e Paris que primeiro anunciaram uma reintrodução temporária dos controles de fronteira. A razão era insignificante e a medida foi motivada apenas por questões políticas. Cerca de 30 mil refugiados norte-africanos tinham chegado à costa da Itália e de Malta. A título de comparação: durante a década de 90, mais de 100 mil refugiados fugiram de Kosovo para a Europa, mas, na época, ninguém ameaçou encerrar o direito dos europeus de viajar livremente de um país para o outro sem se preocupar com postos de controle. Mas, desde os anos 90, houve uma mudança fundamental. Os países europeus não são mais governados por tradicionais campeões do projeto europeu como Helmut Kohl, François Mitterrand e Felipe González, e sim por políticos calmos e calculistas como Angela Merkel ou por políticos egocêntricos como Nicolas Sarkozy. A principal diferença entre estes políticos e os populistas da direita está nos métodos empregados: enquanto os populistas afirmam abertamente seu desejo de deixar a UE, os demais estão eliminando a união política pouco a pouco. Cansaço. Na Alemanha, por exemplo, o ministro do Interior, Hans-Peter Friedrich, da USC, partido irmão da União Democrata Cristã, de Merkel, pode ter criticado acidamente Dinamarca, França e Itália por terem tomado sozinhas a decisão de reintroduzir os controles na fronteira. Mas ele demonstrou ao mesmo tempo compreender a ideia de que poderia haver a necessidade de uma reintrodução temporária dos controles de fronteira em situações de emergência. Ele quer também que os países membros da UE sejam os responsáveis por tomar tais decisões - em outras palavras, deixar que o oportunismo político dite as regras -, e não a Comissão Europeia, que pode agir sem se preocupar com as considerações políticas domésticas. O mesmo vale também para o segundo grande feito da UE, cujo futuro também está agora em jogo: a moeda comum. Frases de efeito como "o euro é nosso destino comum" são vagas demais para sensibilizar a população. A verdade é mais concreta: por que Merkel não afirma que, a cada ano, a Alemanha exporta mais bens para a Holanda do que o mercado chinês, tido como gigantesco? Assim as pessoas compreenderiam ao menos o motivo pelo qual lucramos com o fato de nossas empresas não estarem mais expostas aos riscos das taxas de câmbio na Europa. Em vez de apresentar uma visão clara, a chanceler está ocupadíssima com seu envolvimento em acordos nos bastidores, assim como fez anteriormente seu antecessor Gerhard Schroeder. Trabalhando com o então presidente francês, Jacques Chirac, ele enfraqueceu o Pacto de Estabilidade do euro e violou a regra da zona da moeda comum - segundo a qual os gastos deficitários anuais não devem exceder 3% do PIB - por vários anos seguidos. E, apesar de Merkel insistir na necessidade de se aderir aos parâmetros de estabilidade, em se tratando da questão de como as violações deveriam ser castigadas sua posição irredutível desaparece. Durante caminhada pelas ruas de Deauville, França, no segundo semestre do ano passado ao lado do presidente Sarkozy, ela cedeu e disse que não insistiria mais em sanções automáticas para países que violarem as regras do déficit orçamentário. Posição firme. O mínimo que o Parlamento Europeu deve fazer desta vez é adotar uma posição firme. A instituição tem o poder de participar da decisão em se tratando de reformas no Pacto de Estabilidade e tem até o momento insistido nas sanções automáticas - um dos motivos pelos quais um acordo envolvendo um segundo pacote de resgate à Grécia foi adiado para o próximo semestre. O Parlamento revelou-se o verdadeiro guardião da integração europeia - tanto em termos do Acordo de Schengen quanto em se tratando do euro. A Comissão Europeia cedeu em relação a ambos os temas. Quanto ao Pacto de Estabilidade, representantes da comissão defenderam nos bastidores um acordo de concessões mútuas. E, apesar de suas críticas iniciais ao controle de fronteira retomado pela Dinamarca, a comissão não vê mais nada de errado na prática. Seria de se esperar um pouco mais de firmeza vinda de uma Comissão Europeia que se considera a "guardiã dos tratados europeus". / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALILÉ CHEFE DA SUCURSAL DA "DER SPIEGEL" EM JERUSALÉM

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