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Dinâmica da região é afetada pela Primavera Árabe

Por Joschka Fischer - É EX-MINISTRO DO EXTERIOR DA ALEMANHA e EX-VICE-CHANCELER
Atualização:

Quando as hostilidades irromperam em Gaza no mês passado, a percepção era que a mesma história se repetia. O mundo novamente presenciou uma onda sangrenta e absurda de violência entre Israel e o Hamas, em que as principais vítimas eram civis inocentes mutilados e mortos de ambos os lados. Mas desta vez não ocorreu o esperado, isso porque o Oriente Médio sofreu uma mudança significativa. O epicentro político da atribulada região mudou do conflito entre Israel e palestinos para o Golfo Pérsico e a luta pelo domínio regional entre o Irã, de um lado, e a Arábia Saudita, Turquia e agora o Egito, de outro. Na luta que se desenvolve entre os poderes sunita e xiita da região, o velho conflito do Oriente Médio tornou-se um evento secundário. Hoje, o confronto-chave nesta luta pelo poder é a guerra civil na Síria, onde os maiores protagonistas da região estão representados direta ou indiretamente. Isso porque é na Síria que a batalha pela hegemonia regional será decidida. Está muito claro: o presidente sírio, Bashar Assad, e sua base de poder xiita e alauita não conseguirão manter o controle frente à maioria sunita no país e na região como um todo. A questão é quando o regime cairá. Quando isso ocorrer, será uma grande derrota para o Irã, pois não só levará à perda do seu principal aliado árabe, mas também debilitará a posição do seu cliente, o Hezbollah, no Líbano. Ao mesmo tempo, uma variante da Irmandade Muçulmana assumirá o poder na Síria, como tem sido ou será o caso em praticamente toda a região do Oriente Médio em consequência do Despertar Árabe. Da perspectiva de Israel, a ascensão do Islã político sunita ao poder em toda a região nos últimos dois anos produzirá um resultado ambivalente. Se por um lado este despertar e um recuo do Irã atendem aos interesses estratégicos israelenses, Israel terá de considerar o poder islamista sunita à sua volta, levando a um fortalecimento do Hamas. A ascensão da Irmandade Muçulmana e suas ramificações ocorre às expensas do secular nacionalismo árabe e da ditadura militar que o apoiou. Assim, esta ascensão também decidiu de facto a luta de poder interna palestina. Com a recente guerra em Gaza, o movimento nacional palestino se alinhará sob a liderança do Hamas. O presidente palestino, Mahmoud Abbas, e seu partido Fatah não conseguirão oferecer muita oposição, sobretudo tendo em vista o rompimento do Hamas com o Irã há um ano. Estas ocorrências no Oriente Médio significam provavelmente o fim das perspectivas de uma solução de dois Estados, pois nem Israel, tampouco o Hamas e a Irmandade Muçulmana têm interesse nela. O Hamas e a Irmandade rejeitam um compromisso territorial pois, para eles, um Estado palestino significa uma Palestina que incorpore todo o território de Israel. Esta não é, absolutamente, uma posição tática ou expressão de ingenuidade política. Pelo contrário, a questão territorial tornou-se religiosa e redefiniu fundamentalmente o conflito. O Hamas tem objetivos de longo prazo. Enquanto não tiver a força necessária para alcançar esses objetivos mais ambiciosos, sua intransigência de nenhuma maneira impede negociações com Israel ou mesmo a assinatura de tratados de paz, desde que promovam suas metas de longo prazo. Mas tais acordos produzirão somente tréguas de maior ou menor duração, não um amplo tratado que leve ao fim do conflito. O sucesso de Abbas na ONU - conseguindo o status de Estado observador para a Palestina - não alterará os aspectos básicos desta tendência. A promoção da Palestina é uma derrota diplomática alarmante para Israel. Paradoxalmente, a posição do Hamas é oportuna para a direita política em Israel, pois ela também não acredita numa solução de dois Estados. Juntamente com a Síria, outros dois fatos determinarão o futuro deste novo Oriente Médio: o caminho que o Egito seguirá sob a condução da Irmandade e o resultado do confronto com o Irã com relação ao seu programa nuclear e seu papel na região. Não há bons presságios para o novo Oriente Médio no próximo ano. Mas uma coisa não mudou: ainda é o Oriente Médio, onde é quase impossível saber o que poderá ocorrer logo mais. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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