Diplomacia coreana usa dupla de patinadores para quebrar o gelo

Coreia do Sul quer usar convite a atletas norte-coreanos para obter reaproximação

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Por Anna Fifield
Atualização:

Mesmo sem estar presente, um casal de atletas será o centro das conversações entre as duas Coreias previstas para começar nesta terça-feira na Casa da Paz, no lado sul da fronteira que separa os dois países. São eles Ryom Tae-ok e Kim Ju-sik, a dupla de patinadores no gelo da Coreia do Norte que a Coreia do Sul tenta desesperadamente trazer para os Jogos Olímpicos de Inverno, no próximo mês.

A participação dos norte-coreanos Ryom Tae-ok e Kim Ju-sik nos Jogos Olímpicos é tema do diálogo Foto: am - Oberstdorf, Germany - September 28, 2017 - Ryom Tae-Ok and Kim Ju-Sik of North Korea compete.

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Representantes das duas Coreias se reunirão em Panmunjon, a “aldeia da trégua”, no meio da zona desmilitarizada, para as primeiras conversações entre os dois vizinhos em mais de dois anos.

No último encontro bilateral, em meados de 2015, as Coreias tentaram chegar a um acordo de paz depois que minas terrestres norte-coreanas feriram gravemente dois soldados sul-coreanos, levando a ameaças de guerra.

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Nesta terça-feira, o diálogo será sobre se o Norte mandará Ryom e Kim para os Jogos Olímpicos de Inverno de 2018, que serão realizados em Pyeongchang, 65 km ao sul da linha que separa as duas Coreias, em fevereiro. Funcionários de Seul esperam que o diálogo marque o início de uma reaproximação entre os dois países estremecidos, ou talvez até propicie uma abertura para a desnuclearização da Coreia do Norte.

“Os dois lados vão se concentrar nos Jogos”, disse Cho Myoung-gyon, ministro sul-coreano da Unificação e chefe da delegação que estará em Panmunjon. “Ao mesmo tempo, o governo de Seul procurará levantar a questão das famílias separadas pela guerra e buscar meios de reduzir a tensão."

Ryom faz 19 anos uma semana antes da abertura dos Jogos e Kim tem 25. A dupla, que treinou em Montreal com o técnico Bruno Marcotte, competiu no ano passado na Alemanha e na Finlândia. Em uma das provas, eles patinaram ao som de uma versão instrumental da música Day In The Life, dos Beatles.

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A dupla classificou-se para disputar os Jogos de Inverno de 2018, mas a Coreia do Norte perdeu o prazo de inscrição, encerrado em 30 de outubro. Mas, tanto o Comitê Olímpico Internacional quanto autoridades sul-coreanas deixaram claro que uma solução para esse problema poderia ser encontrada. O COI quer os atletas norte-coreanos competindo e ofereceu equipamentos e meios de viagem para aumentar as chances de que isso ocorra.

Os indícios são animadores. O representante norte-coreano no COI, Chang Ung, disse no fim de semana, durante viagem à Suíça, que a dupla “provavelmente participará” dos Jogos.

A Coreia do Norte boicotou os Jogos Olímpicos de 1988 em Seul – na verdade, o país explodiu um avião sul-coreano matando as 115 pessoas a bordo, no final de 1987, para prejudicar as competições. No entanto, tem mandado atletas para eventos esportivos mais recentes, incluindo competições em 2002 e 2003, durante um período de melhoria nas relações, e novamente em 2014.

No entanto, tentar fazer da patinação no gelo um trampolim para discutir um impasse diplomático muito maior será um imenso desafio. O líder norte-coreano, Kim Jong-un, que fez 34 anos ontem, está orgulhoso do avanço nuclear alcançado por seu país no ano passado. Ele provou que pode resistir às sanções americanas e internacionais, mesmo admitindo que elas estão abalando a economia da Coreia do Norte.

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Agora, porém, Kim pode estar vendo a abertura como meio de causar perturbações de outro tipo: inserir uma cunha entre a Coreia do Sul, cujo governo quer modificar o comportamento da Coreia do Norte por meio de engajamento, e os EUA, cujo presidente, Donald Trump, defende “o máximo de pressão”.

O pronunciamento de ano-novo de Kim chamou a atenção pelo tom conciliador em relação à Coreia do Sul. Ele desejou sucesso nos Jogos de Inverno e propôs que as duas Coreias trabalhem juntas. A agência da Coreia do Norte, KCNA, deixou claro que “estranhos” (leia-se EUA) não terão lugar nas atuais discussões. 

O governo sul-coreano, do presidente Moon Jae-in, está disposto a fazer da Olimpíada um sucesso – ele a vem chamando de “jogos da paz” – e a abrir uma nova era de engajamento com o Norte.

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Seul conseguiu uma vitória diplomática ao convencer os EUA a adiar as grandes manobras militares anuais conjuntas, que começam sempre em março, para não antagonizar a Coreia do Norte. Moon vem repetidamente manifestando a esperança de que os Jogos de Inverno possam proporcionar um caminho não político para melhorar as relações com o Norte. 

Para o jornal Chosun Ilbo, o maior da Coreia do Sul e influente voz conservadora, Kim não pretende desistir de seu programa nuclear: “Tudo o que ele quer é ganhar tempo para concluir o desenvolvimento de suas armas nucleares e sua estratégia é semear a discórdia entre aliados”. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

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