'Diplomacia do berimbau' chega a palestinos

Governo brasileiro investe em programa de aulas de capoeira para crianças palestinas

PUBLICIDADE

Por VIVIANE VAZ e JERUSALÉM
Atualização:

Em uníssono, dezenas de crianças palestinas nos campos de refugiados de Shuafat, em Jerusalém Oriental, e Jalazoun, na Cisjordânia, próximo a Ramallah, cantam ao som de berimbau. A roda acontece no meio de casas modestas de tijolos brancos. Provenientes de famílias numerosas, as crianças refugiadas lutam entre si para chamar a atenção dos adultos com gritos de "ana, ana, ana" ("eu, eu, eu" em árabe)."A capoeira ensina para eles que o tempo é para todos. Todo mundo tem a possibilidade de fazer alguma coisa: de cantar, de tocar um instrumento, de ir para o meio da roda", diz Daniel Vallejo, de 29 anos, mais conhecido como mestre Arami.O mexicano de "coração brasileiro" incentiva as crianças a cantarem no volume máximo. Elas entram na roda com vergonha, cantando baixinho, com medo de levantar muito a voz. "Pouco a pouco eles descobrem que uma pessoa sozinha pode fazer muitas coisas, mas quando estamos em grupo, podemos construir uma escada para tocar o céu e as estrelas."Além dele, mais dois mestres brasileiros foram contratados para o projeto, financiado pelo governo brasileiro, da Agência de Refugiados das Nações Unidas (UNRWA). A iniciativa partiu da ONG Bidna Capoeira, que implementou o ensino da capoeira com sucesso nos campos de refugiados na Síria e o levou para os territórios palestinos com um projeto-piloto em março deste ano. "A capoeira dá um sentido de família para essas crianças", diz o fundador da Bidna, o sírio-alemão Tarek Alsaleh.Na terça-feira, o escritório de representação diplomática do Brasil em Ramallah formalizou a colaboração com o projeto com US$ 83 mil. O valor serve para comprar instrumentos e pagar os professores por pelo menos seis meses. Mais de 600 crianças de 8 campos serão atendidas pelo programa.Para a mestra Renata Martins, de 29 anos, a capoeira ajuda a distrair as crianças dos problemas domésticos e políticos. "Muitos deles têm algum membro da família detido em alguma prisão israelense ou sofrem violência em casa, até mesmo abuso sexual. A vida deles não é fácil, mas na capoeira eles têm um momento para sorrir e se expressar", diz a professora carioca. "Aqui eles aprendem que não precisa ser grande nem ser forte para não deixar ninguém te dominar", diz o professor carioca Jorge Goia, de 48 anos. A roda de capoeira é usada como ferramenta. No meio, cada um conta uma história, divide um pensamento, ou revela o que sente. "Não há gritaria nem briga na capoeira. Nós somos irmãos e nos ajudamos um ao outro", diz Ahmad Mohamed, de 11 anos.Meninos e meninas assistem às aulas separados. Os professores tentam adaptar a capoeira à realidade cultural palestina, que não costuma colocar garotos e garotas praticando atividades físicas juntos. Vestida com o véu muçulmano (hijab), Ragda Mosa, de 27 anos, gosta de levar a filha Nura, de 10 anos, para as aulas de capoeira em Jalazoun. "Sinto que a Nura está mais contente de vir para a escola agora e está mais concentrada nos estudos", afirma Ragda.Segundo a agência de refugiados da ONU, existem quase 5 milhões de refugiados palestinos. Por outro lado, Israel questiona o número e calcula que seriam apenas 250 mil. Neste mês a congressista israelense Einat Wilf, do partido independente, propôs que Israel solicitasse à ONU o fechamento da UNRWA. Segundo a congressista, a agência seria um obstáculo para a paz.Por outro lado, a tradição diplomática do governo brasileiro é a de apoiar a ONU e suas agências. A representante do Itamaraty em Ramallah, Ligia Maria Sherer, destaca que é muito importante consolidar projetos de desenvolvimento cultural e de educação como este.Em uma enquete realizada pela Bidna Capoeira, as crianças indicaram que "aprender a falar ou cantar em português" e a tocar diferentes instrumentos como atabaque, pandeiro e berimbau era o melhor da atividade. "No Brasil, a capoeira serviu de instrumento de libertação para os escravos negros contra os senhores de engenho. De certa forma, entre os palestinos também há oprimidos com a ocupação israelense na Cisjordânia", compara Goia.Por outro lado, Tarek também sonha com o dia em que será possível colocar meninos palestinos e israelenses jogando numa mesma roda de capoeira, não para lutar, mas pelo prazer de compartilhar um esporte.

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.