Diplomacia do jantar entre China e Taiwan

Encontro histórico entre líderes de Pequim e Taipé aponta para caminho nada fácil rumo a uma reconciliação plena

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Por Chris Patten e Project Syndicate
Atualização:

Muita água passou pelo Estreito de Taiwan nos 70 anos desde que o líder da China comunista, Mao Tsé-tung, se reuniu com o líder dos seus adversários nacionalistas, Chiang Kai-shek. Por isso, a recente reunião em Cingapura de seus herdeiros, o presidente chinês, Xi Jinping, e seu colega taiwanês, Ma Ying-jeou, pode ser legitimamente definida como histórica.

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A negociação diplomática que antecedeu o encontro foi extremamente complexa e tratou até de quem teria de pagar o jantar – eles dividiram a conta. Mas, depois de uma breve troca de opiniões a portas fechadas, não foi emitido nenhum comunicado conjunto. Então, qual seria o motivo da realização desse encontro, e o que isso permite prever?

Evidentemente, o dinheiro fala para as duas, China e Taiwan, e suas economias agora estão estreitamente ligadas. São numerosos os taiwaneses que moram e trabalham na China – principalmente na área de Xangai – e há enormes investimentos taiwaneses na indústria chinesa. Taiwan é a Foxconn, a maior fabricante de produtos eletrônicos do mundo, com 12 fábricas na China – entre elas, uma que fica em Shenzhen e emprega centenas de milhares de trabalhadores.

Entretanto, embora a política taiwanesa seja naturalmente dominada pelas relações da ilha com o continente, a realidade da existência de profundos laços comerciais entre China e Taiwan não tem um equivalente diplomático. O Kuomintang (também chamado Partido Nacionalista Chinês) pretende melhorar as relações sem abrir mão da independência de Taiwan. Seu oponente, o Partido Democrático Progressista, quer uma posição mais autônoma, embora seja duvidoso que consiga alcançar algo mais concreto do que “beliscar o nariz” da China.

Pesquisa realizada há três anos indicou que 80% dos 25 milhões de taiwaneses apoiariam uma declaração formal de independência, desde que isso não desse margem a uma invasão chinesa. É uma ressalva considerável. A China adverte regularmente Taiwan contra qualquer tipo de ações imprudentes como essa e os EUA alertam toda vez que os líderes da ilha parecem se comportar de maneira excessivamente arrogante com o continente.

Aparentemente, são duas as razões pelas quais Xi e Ma se reuniram. Em primeiro lugar, estão claramente preocupados com a possibilidade de que o Kuomintang, que no ano passado sofreu uma pesada derrota nas eleições locais, também perca as eleições gerais de janeiro. Ambos esperam obter benefícios eleitorais mostrando que China e Taiwan podem se relacionar sem grandes problemas.

Além disso, num momento em que a economia chinesa desacelera e as tensões regionais crescem pelo fato de a China mostrar sua força nos mares do Sul e do Leste da China, Xi parece ansioso para irradiar ambições de amor à paz. Tendo desestabilizado muitos de seus vizinhos, sua futura visita ao Vietnã e a visita do seu primeiro-ministro, Li Keqiang, à Coreia do Sul são partes integrantes de sua diplomacia da hora do jantar com Ma.

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As verdadeiras intenções da China no longo prazo não são inteiramente óbvias. Talvez isso seja parte de sua estratégia: sinais ambíguos têm um papel importante na diplomacia. Mas duas coisas são claras.

Em primeiro lugar, a iniciativa de Xi mostra até que ponto ele domina a política chinesa. Um líder mais fraco não poderia ter dado um passo tão ambicioso, o que representa um rompimento concreto com a ortodoxia comunista do passado.

Em segundo lugar, a reunificação pacífica do continente com Taiwan permanece improvável, a não ser que ocorra – como a China continua prometendo – com base no princípio de “um país, dois sistemas”. Mas os taiwaneses não podem se sentir muito tranquilizados pelo que ocorre hoje em Hong Kong, a quem foi feita a mesma promessa antes de seu retorno à China, em 1997.

O exemplo de Hong Kong sugere que a China teria de obrigar Taiwan a desistir da democracia e do Estado de direito – ou abraçar ambos – antes de poder receber sua “província rebelde” de volta. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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