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Diplomacia tenta salvar cúpula sobre racismo

Após mudança de posição do Irã sobre Holocausto, Brasil busca evitar que EUA e europeus cumpram promessa de boicote à conferência

Por José Maria Mayrink e Jamil Chade
Atualização:

O Irã desistiu ontem de vetar uma referência ao Holocausto na declaração comum para a conferência mundial sobre o racismo e discriminação da ONU, marcada para segunda-feira em Genebra. A decisão foi tomada diante de forte pressão do Brasil e de países europeus. Após a discussão, diplomatas chegaram a um consenso para a declaração, que deve omitir referências a Israel, ao sionismo e a outras questões polêmicas que dividiram potências ocidentais sobre a conferência, que corre o risco de ser esvaziada. Agora, caberá ao presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva tentar convencer seu colega americano, Barack Obama, a aderir ao processo multilateral e desistir do boicote à conferência. "Lula falará com Obama para que os EUA se engajem no processo", revelou a embaixadora do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo. Lula, porém, não irá a Genebra e mandará o ministro da Igualdade Racial, Edson Santos. AMEAÇA DE BOICOTE Obama disse que não enviaria uma delegação à reunião, alegando que o acordo era inaceitável em seu tratamento da questão judaica. Alguns governos europeus também não decidiram ainda se enviarão delegações à reunião. O presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, será um dos poucos chefes de Estado a participar, além de outros 34 ministros. Mesmo assim, a declaração está sendo vista pelas ONGs como a primeira tentativa de "curar as feridas" na relação entre o Ocidente e o mundo islâmico desde os atentados terroristas de 2001. O problema, porém, é o artigo que aponta que os governos "reafirmam" as conclusões da primeira conferência contra o racismo da ONU, realizada em Durban (África do Sul) em 2001. Na ocasião, americanos e israelenses abandonaram a reunião quando os árabes propuseram que o sionismo fosse considerado como uma forma de racismo. Desta vez, os palestinos aceitaram que sua causa não fosse citada e a única menção fosse a condenação de "ocupação estrangeira". "Muitos fizeram sacrifícios para que os americanos pudessem voltar à mesa de negociações", disse a alta comissária de Direitos Humanos da ONU, Navanethem Pillay. Ao Estado, Navanethem admitiu que Obama já mandou um recado de que não enviaria uma missão. "Esperamos que a conversa com Lula tenha algum resultado", disse Navanethem. No entanto, ela admitiu que será difícil. O porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Robert Wood, afirmou ontem que a Casa Branca ainda estava considerando o assunto. "Os EUA ainda têm suas preocupações", disse Wood. O acordo de ontem ainda é frágil e caberá à conferência aprovar o documento. A Europa se reunirá ainda para tomar uma decisão se acatará ou não ao pacto. A Holanda é contra e a Itália já decidiu pelo boicote do encontro. Canadá e Israel também não estarão presentes e a Austrália ainda considera se irá, todos alegando que a conferência se transformou em um ato contra os judeus. CENTRO DE DISCUSSÕES O ponto mais polêmico dos últimos dias foi a tentativa do Irã de evitar que a palavra Holocausto entrasse no texto. Ahmadinejad já negou o Holocausto em outras ocasiões e o temor da ONG Human Rights Watch é de que seu discurso azede a reunião. A solução proposta pelos países islâmicos foi colocar o evento em um parágrafo conjunto com tráfico de escravos. A sugestão foi rejeitada pelo Itamaraty, alegando que a questão dos afrodescendentes não poderia ser considerada da mesma forma que o Holocausto. O Brasil ofereceu um texto de consenso, pedindo que pessoas não sejam estigmatizadas por sua religião. Diante da pressão do Itamaraty, o Irã acabou desistindo da rejeição ao tema. De acordo com a Human Rights Watch, o acordo obtido pode ser o primeiro passo para superar as divisões no mundo. "Hoje, estamos superando a polarização entre Ocidente e islâmicos. O compromisso no texto mostrou que a posição do Irã perdeu e Ahmadinejad está perdendo sua influência", afirmou a entidade.

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