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Discurso tem valor único

Por Luiz Felipe Lampreia
Atualização:

O discurso inaugural do presidente tem, nos EUA, um significado profundo e único. Quem se lembra do discurso de posse de algum presidente brasileiro, latino-americano ou europeu, por mais importante que tenha sido? Mas quem não se recorda das frases magnéticas de Franklin Roosevelt, no auge da depressão dos anos 30: "A única coisa que deve nos amedrontar é o medo." Ou as de John Kennedy a um país inseguro: "Não pergunte o que os EUA podem fazer por você, mas o que você pode fazer pelos EUA?" Barack Obama assume o poder no olho do furacão. Um furacão econômico, político, militar e diplomático como não se via há décadas. Recebe um país desmoralizado pela crise econômica que já desempregou 2 milhões de pessoas, fustigado pelas dificuldades de crédito bancário e pela insolvência de boa parte dos menos abastados proprietários de imóveis. Herda duas guerras - no Iraque e no Afeganistão. Também encontra o Oriente Médio num impasse agudo em razão dos lamentáveis eventos de Gaza, um combate que demonstrou a ineficiência dos EUA em exercer sua capacidade de persuasão. Em suma, torna-se o primeiro mandatário de uma superpotência isolada, com sua autoconfiança e seu prestígio abalados. Que carga os deuses puseram sobre os ombros deste homem! Mas o outro lado da questão é: quantas esperanças ele suscita nos EUA e no mundo! O discurso de posse, em frente ao Capitólio na terça-feira, deve ser o primeiro momento decisivo. Como Winston Churchill hipnotizou seu país em maio de 1940 e galvanizou a vontade de luta dos britânicos contra os nazistas, Obama terá de superar-se para dar uma mensagem forte e inspiradora. Talento oratório não lhe falta - em sua breve carreira política, a palavra tem tido mais peso que as ações. Creio que seu discurso será, em primeiro lugar, uma ode aos EUA, país que tornou possível sua história de vida surpreendente. Deverá também traçar as grandes linhas de seu programa, no qual despontará como prioridade o combate à recessão, ao desemprego e aos problemas de crédito. Não poderá, tampouco, deixar de referir-se aos grandes temas internacionais. Como disse o jornalista Elio Gaspari, porém, "a quitanda continuará lá: Casa Branca, 1600, Pennsylvania Avenue". O mais forte candidato a um anúncio espetacular é obviamente o problema de Gaza. Obama prometeu na campanha perseguir uma solução duradoura para o conflito entre Israel e os palestinos. Com o novo conflito, essa solução passou a ser urgente - e uma tarefa ainda mais complexa e difícil. Será um teste decisivo de competência diplomática e pode vir a ser uma oportunidade de sucesso ainda maior. Com suficientes garantias de um cessar-fogo sustentável e respeitado por ambas as partes, Obama pode até envolver-se pessoalmente nas negociações sobre o conflito logo depois de assumir. Se for bem sucedido, poderá ir mais longe, buscando uma solução abrangente no curto prazo, como a que pareceu possível na década de 90, com os acordos de Oslo. Talvez prefira apenas estender a mão dos EUA, num gesto conciliatório, após a dureza das posições internacionais de seu antecessor. A presidência Obama deve ser assinalada por uma Casa Branca muito forte. Um homem que aos 45 anos já escreveu duas autobiografias e chegou ao poder de um modo tão extraordinário não abrirá mão de ter o papel mais decisivo na ação externa de seu governo. Contemos, assim, com um grande protagonismo do presidente, que deve deixar em segundo plano seus colaboradores - até mesmo Hillary Clinton, a futura Secretária de Estado. É claro que Hillary - que podia perfeitamente estar na posição do seu chefe - não vai se resignar a ser apenas um violino na orquestra de Obama, como seu discurso no Senado nesta semana o demonstrou. De particular interesse para nós foi a menção feita a nossa região: "Voltaremos a ter uma política de participação vigorosa, de associação com a América Latina." Não se sabe como isso vai se traduzir na prática, mas o discurso já representa um avanço em relação ao descaso com que o governo Bush tratou a região. Obama deve dar grande atenção ao Brasil, como um ator de crescente relevância na cena internacional, ainda que não o faça no primeiro momento de seu governo, já que problemas gravíssimos demandarão sua atenção. No momento em que os EUA tomam consciência de que não podem mais ter posições unilaterais, mas precisam trabalhar com alianças sólidas multilaterais, o Brasil credencia-se para subir de patamar. Enfim, também temos direito a boas expectativas na posse de Obama. * Luiz Felipe Lampreia, ex-Ministro das Relações Exteriores do Brasil, é professor de Relações Internacionais da ESPM

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