Disputa entre palestinos agrava cerco à Faixa de Gaza

Território palestino isolado por muro israelense teve em maio corte de 30% no repasse vindo da Autoridade Palestina, o que acentua penúria

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Por GAZA
Atualização:

CIDADE DE GAZA - Dalal Sawarkah percebeu algo estranho no seu seio em dezembro, ao amamentar o filho mais novo, hoje com 2 anos. Só em fevereiro, quando sentiu o caroço aumentar, procurou o Hospital Al-Rantisi, em Gaza. Em 45 dias, recebeu o diagnóstico. Israel não permite que ela cruze o muro que cerca o território para tratar o câncer e uma disputa entre as facções palestinas agrava a falta de medicamentos. Entre eles, os de quimioterapia.

Dalal, de 29 anos, vive em uma cabana de palha onde a família mora, em Abu Safiya, na zona rural da Faixa de Gaza, desde que o bombardeio israelense na guerra contra o Hamas, em 2014, destruiu sua casa. (Veja imagens da vida em Gaza) 

Mulher observa movimento pelas ruas da Cidade de Gaza, na Palestina. Foto: Mohammed Salem / Reuters 

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Ela fez quimioterapia com remédios fornecidos pelo hospital, mas precisa também de radioterapia e, na Faixa de Gaza, não existe equipamento para isso. Os palestinos dispõem desse atendimento no Hospital Al-Mutala, em Jerusalém Oriental. Aí, começa o drama da saída. 

“Israel prioriza os casos de urgência máxima, como cirurgias”, explica Bayan el-Sawka, diretor do Departamento de Oncologia do Al-Rantisi. “Câncer é apenas urgente, a menos que requeira cirurgia.” Dos 7 mil pacientes com câncer na Faixa de Gaza, 800 aguardam permissão de Israel para cruzar Erez. A resposta costuma levar de dois a três meses, o que equivale muitas vezes a uma sentença de morte. O corte no orçamento da administração do Hamas pela Autoridade Palestina (AP) - que administra a Cisjordânia e pressiona por um governo de coalizão - causa escassez de medicamentos. As sucessivas guerras, o desemprego e os problemas associados ao bloqueio criaram uma geração com estresse pós-traumático. Reem Anbar, que toca alaúde e buzuk, dois instrumentos tradicionais de corda, usa a música e a dança como terapia para esses pacientes. Ela aprendeu a técnica como autodidata. “Tenho talento para isso, mas preciso fazer um curso de especialização na Europa, porque não existe aqui”, explica a musicista, de 26 anos.

Reem esbarra no problema de todos. Ela conta que já gastou US$ 1 mil com pedidos de vistos nos consulados de países europeus e árabes. Às vezes, consegue o visto, mas não a autorização de Israel ou do Egito para sair. 

Pela primeira vez desde que seu pai e sua mãe abriram a fábrica de biscoitos, doces e salgados, em 1979, Yussef Shomer teme que ela não sobreviverá até o ano que vem. Em 2000, antes da Segunda Intifada, a fábrica tinha 120 empregados. Hoje, tem 60. Na época, 80% dos produtos consumidos em Gaza eram de produção local; hoje, é o inverso: 80% são importados. Shomer diz que não tem condições de competir: ele gasta entre US$ 15 mil e US$ 20 mil por mês com gerador de eletricidade, em razão dos constantes blecautes. O fornecimento de energia caiu de 6 para 4 horas por dia depois que a Autoridade Palestina reduziu, em maio, o repasse de verbas para o Hamas. A AP repassa 230 milhões de shekels (R$ 217 milhões) por mês para o pagamento de funcionários na Faixa de Gaza, e cortou 30% desse montante. A AP também cortou os 40 milhões de shekels (R$ 37,7 milhões) de pagamento mensal da eletricidade fornecida por Israel, que corresponde a 30% da eletricidade consumida em Gaza. 

Há um ano, Shomer teve negada sua passagem por Erez. Agora, Israel cancelou de vez o visto de 90 empresários de Gaza, incluindo o dele. “É uma guerra econômica”, constata o empresário de 48 anos. 

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Segurança.

O

Estado

perguntou à Coordenação de Atividades do Governo nos Territórios (Cogat), subordinada ao Ministério da Defesa israelense, os motivos para a não concessão da permissão de saída da Faixa de Gaza aos moradores mencionados na reportagem. A Cogat respondeu com a seguinte nota: “Não foram encontrados pedidos de dois moradores que você mencionou (a paciente de câncer Dalal Sawarkah e a musicista Reem Anbar). Quanto aos outros três (o jogador de futebol Mohamed Balah, o de vôlei Khalil Helo e o empresário Yussef Shomer), sua entrada em Israel não foi permitida devido a questões de segurança”.

A nota prossegue: “A Faixa de Gaza é controlada pela organização terrorista Hamas, que tenta continuamente tirar vantagem dos progressos feitos por Israel na esfera civil. Esses progressos são para o benefício dos moradores de Gaza, e as ações do Hamas os prejudicam diretamente. A organização terrorista Hamas usa as permissões dadas aos residentes de Gaza para transferir verbas para o terrorismo, armas, instruções e informações para cometer atentados terroristas em Israel”.

 

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