Dissidente ameaça hegemonia do clã Chávez em seu Estado natal

Insatisfação em Barinas com desmandos da família coloca em xeque eleição do irmão do presidente, candidato a governador

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Por Ruth Costas , Barinas e Venezuela
Atualização:

A foto de Hugo Chávez saúda os que visitam a cidade: "Bem-vindo a Barinas, berço da revolução." Barinas é a capital do Estado de mesmo nome, onde nasceu e cresceu o presidente venezuelano. É também a região onde os integrantes da família Chávez - pais, irmãos e demais parentes do presidente - controlam todas as engrenagens do poder. Os desmandos do clã, além de denúncias de enriquecimento ilícito, abriram a possibilidade de os Chávez perderem essa hegemonia nas eleições de domingo. Segundo as pesquisas, na corrida pelo governo estadual o atual prefeito e dissidente Júlio César Reyes está 5 pontos porcentuais na frente (embora ainda tecnicamente empatado) com o irmão mais velho do presidente, o ex-ministro da Educação Adán Chávez. Uma derrota de Adán teria um peso simbólico para Chávez. A conclusão implícita: se o presidente hoje não pode nem vencer em seu principal reduto falta pouco para ser batido também numa significativa votação nacional - as eleições legislativas de 2010. ?SECRETÁRIO DE ESTADO? Há oito anos, o cargo de governador de Barinas é ocupado pelo pai de Chávez, Hugo de Los Reyes Chávez - e na prática exercido pelo filho caçula do patriarca, Argenis Chávez, principalmente depois que Hugo pai teve um enfarte. Argenis ocupa o cargo de "secretário de Estado", criado especialmente para ele. "No mundo há dois secretários de Estado: Condoleezza Rice e Argenis Chávez", diz a piada que os barinenses adoram contar. O que abriu a possibilidade de um dissidente derrotar um candidato chavista no Estado natal do presidente foi uma série de denúncias envolvendo a chamada "família real", além da constatação de que, para muitos, a revolução bolivariana de Chávez falhou em melhorar significativamente a vida da população nesse Estado agrário, esquecido por décadas numa planície ao pé dos Andes. Na capital, de cerca de 200 mil habitantes, as inovações das quais os habitantes mais se orgulham são dois modernos shopping centers - obras financiadas pela iniciativa privada que nada tem de bolivarianas muito menos de socialistas. É grande a porcentagem da população que, mesmo sem ser contra as políticas de Chávez, já está farta dos mandos e desmandos de seus familiares. "O presidente não se dá conta do que acontece aqui e quando percebe já é tarde", diz o pedreiro Pablo Guedes, de 32 anos. Mas quem ganha força não é a oposição, e sim dissidentes - os chamados ex-chavistas. Eles acusam o clã Chávez de aproveitar-se das ligações com o presidente para enriquecer de forma ilícita. "Os Chávez investigam prefeitos dissidentes por qualquer deslize, mas aqui fizeram mais de 40 obras sem licitação", disse ao Estado Wilmer Azuaje, que era da coordenação do partido chavista em Barinas e agora está se candidatando à prefeitura como independente. Segundo as denúncias, uma das estratégias de enriquecimento seria comprar a preços baixos fazendas ameaçadas de desapropriação. Depois, bastaria um telefonema para tirar tal terra da mira do Instituto Nacional da Terra (Inti). INFÂNCIA POBRE Durante a infância do presidente, os Chávez eram uma família muito pobre. O pai era professor e a mãe inspetora de alunos de uma escola. Ambos mal podiam arcar com os gastos das cinco crianças e Chávez e Adán foram criados pela avó. "Chávez costumava vender doces pela cidade para completar o orçamento", lembra Merida Frias, prima da mãe do presidente, que ainda vive na pequena cidade de Sabaneta, onde Chávez nasceu. O grande avanço da família foi conseguir mudar de um casebre com piso de terra em Sabaneta (em que hoje vivem uns cubanos, segundo os vizinhos) para a capital, Barinas, onde foram morar numa casa de 45 metros quadrados subsidiada pelo governo - numa versão local do Projeto Cingapura. "Até há pouco tempo os Chávez possuíam uma pequena fazenda de três hectares", acusa Azuaje. "Hoje têm 17 propriedades, são mais de 35 mil hectares em nome de laranjas." Os relatos ouvidos em Barinas são de que a família ostenta, tem casas grandes, usa roupas de luxo e carro do ano, num estilo de vida muito distante do que apregoa o presidente. "Se meus irmãos são acusados de comprar não sei quantas fazendas, que se defendam", afirmou Chávez no início do ano. "Que dêem a cara, pois eu não vou assumir a defesa automática. Não farei isso com ninguém." A família nega as denúncias de enriquecimento ilícito e diz ter um estilo de vida modesto, mas não tem muito como negar que há um controle da máquina Estatal. "Quase todos fomos eleitos", disse ao Estado Aníbal Chávez, prefeito de Sabaneta que busca a reeleição. Todos os cinco irmãos do presidente têm cargos públicos ou ligados de alguma forma ao governo. Adelis dirige a Sofitasa, estabelecimento financeiro que administra o pagamento dos funcionários públicos na região. Narciso, que já foi cônsul no Canadá, é o coordenador regional do convênio médico com Cuba e candidato à Prefeitura de Bolívar. "Boa parte da população de Barinas se desencantou com o presidente nos últimos anos", diz o pequeno empresário Moisés Montilho, de 33 anos, que há alguns anos votava por Chávez e hoje faz campanha pela dissidência. "Estamos fartos de vê-los enriquecendo enquanto a população da cidade continua pobre como sempre."

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