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Dissuasão nuclear

Ao atingir a condição de potência nuclear um Estado em geral evita atitudes provocativas

colunista convidado
Foto do author Lourival Sant'Anna
Por Lourival Sant'Anna
Atualização:

Dizem os versados em psicologia canina que, quanto menor e mais frágil um cão, mais ele late. É uma reação a um mundo que lhe parece ameaçador. Inversamente, quanto maior e mais forte, mais silencioso também. A regra pode ser traduzida para a geopolítica. Ao atingir a condição de potência nuclear, e com ela a “capacidade de dissuasão”, um Estado em geral evita atitudes provocativas, que possam conduzi-lo a um confronto com um inimigo dotado de armas nucleares.

As consequências drásticas de uma guerra nuclear, o risco de aniquilamento mútuo, embutem um senso de responsabilidade. Na Guerra Fria, isso criou o chamado “equilíbrio do terror” entre EUA e URSS. 

A Coreia do Norte realizou até o momento seis testes nucleares, o último no dia 3 de setembro Foto: South Korea Defense Ministry via AP

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Talvez ao batucar no teclado em seu perfil no Twitter o presidente Donald Trump dê a impressão de violar essa regra. Mas a combustão – que gera mais calor do que luz – na interação entre Trump e o Twitter diz mais sobre o narcisismo nas redes sociais do que sobre a geopolítica.

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Até o mais extravagante personagem do atual drama mundial acaba de passar no teste da serenidade dos fortes: Kim Jong-un. Depois de lançar na terça-feira um míssil capaz de atingir qualquer ponto do território americano, o jovem ditador norte-coreano abandonou a retórica destrutiva.

“Finalmente realizamos a grande causa histórica de completar a força nuclear do Estado”, disse ele solenemente. “A Coreia do Norte será uma potência nuclear responsável, que não ameaçará nenhum país e região, desde que seus interesses não sejam infringidos.”

A ressalva final revela o objetivo do regime: deixar de ser tratado como pária, ver aceita sua condição de potência nuclear e integrar-se ao comércio mundial. Ainda pairam algumas dúvidas: se o míssil manteria o alcance de 13 mil km transportando uma pesada ogiva nuclear, ou se encurtaria para 8 mil km; se o módulo que retorna à atmosfera resistiria às altas temperaturas ou pegaria fogo, como em testes anteriores.

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Em contrapartida, os avanços dessa versão são visíveis nas fotos divulgadas na quinta-feira. O Hwasong-15 é bem mais longo que o 14, o que significa maior tanque de combustível e autonomia de voo. A estrutura do módulo parece muito mais robusta e o sistema de navegação, mais preciso. O veículo móvel de lançamento permite dispará-lo de áreas remotas, dificultando sua neutralização num ataque preventivo. O que quer que ainda falte, poderá ser dominado em breve.

Restam aos EUA duas linhas de ação. A primeira é incentivar a China a pressionar a Coreia do Norte. Os chineses têm permitido a aprovação de sanções no Conselho de Segurança da ONU e colocado parte delas em prática. Mas ainda fornecem petróleo à Coreia do Norte e mantêm trabalhadores imigrantes norte-coreanos, que representam fonte de divisas para o exaurido país. 

Entretanto, a experiência mostra que o regime norte-coreano está preparado para um voo solo, ignorando as crescentes pressões de seu poderoso aliado. Uma solução política terá de incluir a Coreia do Norte. O regime quer o que toda ditadura prioriza: a própria sobrevida. 

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Em 1994, o governo de Bill Clinton firmou um acordo com o de Kim Jong-il, pai do atual ditador, que acabava de substituir seu pai. O acordo previa o congelamento do programa nuclear norte-coreano e depois o desmantelamento do seu arsenal, em troca do fim das sanções comerciais, fornecimento de combustível nuclear e construção de reator para geração de energia. Os EUA não cumpriram sua parte, a Coreia do Norte seguiu com seu programa e o acordo fracassou.

O precedente existe. Talvez não as condições políticas. Segundo a imprensa americana, Trump pretende trocar seu secretário de Estado, Rex Tillerson, pelo diretor da CIA, Mike Pompeo. Tillerson valoriza a negociação; Pompeo quer uma guerra em seu currículo.

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