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Ditaduras reconhecem pressão real

Por Natan Sharansky
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Fathi Eljahmi, o mais destacado dissidente democrático da Líbia, morreu no dia 21. Eljahmi havia suportado sete anos de condições indescritíveis no sistema prisional líbio. Seu crime? Ele foi um resoluto defensor da liberdade de expressão e de reformas democráticas. Dois dias antes de sua morte, com Eljahmi já em coma, os líbios o enviaram à Jordânia. O Departamento de Estado louvou essa "soltura" como um desdobramento positivo. Seria errado dizer que o mundo livre foi indiferente ao destino de Eljahmi. Seu irmão Mohamed, um cidadão americano, passou anos chamando a atenção para o caso. Mohamed conseguiu até que o então senador Joe Biden fizesse um apelo direto pela liberdade do dissidente ao líder líbio, Muammar Kadafi. Surpreendentemente, Eljahmi foi solto. Mas, três semanas depois, quando ficou claro que ele continuaria a falar o que pensava, tornou a ser preso - com sua esposa e seu filho mais velho. Numa conferência de dissidentes democráticos em Praga, em 2007, eu vi como o presidente George W. Bush ficou comovido ao ouvir o irmão de Eljahmi contar sua história. Bush prometeu levar o caso ao governo líbio. Mas, a despeito dos esforços americanos, Eljahmi permaneceu preso. CAMPANHA MUNDIAL Por quê? Porque regimes ditatoriais sabem a diferença entre pressão verdadeira e conversa fiada. Em 1986, o dissidente soviético Anatoli Marchenko morreu na prisão de Chistopol após uma prolongada e inútil greve de fome por melhoria das condições. Três anos antes, eu havia passado por uma greve de fome semelhante na mesma prisão e fora submetido às mesmas condições torturantes por brutamontes da KGB. Mas as autoridades acabaram cedendo a minhas exigências. Por quê? Porque meus nove anos de prisão foram acompanhados por uma campanha mundial incansável e firme, uma pressão inequívoca sobre o regime comunista por líderes do mundo livre. O regime sabia que pagaria um alto preço se eu morresse. Com Marchenko, ele estava confiante de que o mundo não se importaria o suficiente para fazer mais que um protesto formal. O mundo livre tem muitas razões para tratar regimes ditatoriais com luvas de pelica. Às vezes queremos sua cooperação no tratamento de problemas regionais, às vezes estamos receosos de um colapso dos mercados de petróleo, às vezes estamos preocupados com a estabilidade global. Com respeito à Líbia, da qual o Ocidente conseguiu extrair uma promessa de não desenvolver armas nucleares e não apoiar organizações terroristas, há uma preocupação em não colocar em risco as coisas que foram conquistadas. Por consequência, e com a bênção do Ocidente, a Líbia conseguiu se tornar um porta-voz global de ditaduras brutais como a sua. Ficamos de lado quando a Líbia foi eleita para presidir a Comissão de Direitos Humanos da ONU. Dentro de alguns meses, um líbio assumirá a presidência da Assembleia-Geral da ONU. Ao dar aos líbios uma vida mansa em direitos humanos, o mundo livre lhes entregou as ferramentas de que precisavam para liderar a campanha de diplomacia pública do mundo da tirania. É certamente importante engajar povos de todo o mundo num diálogo construtivo. Mas um diálogo com o povo de um país não é o mesmo que um diálogo com seu regime. O Ocidente tem uma mensagem poderosa de liberdade, uma mensagem que pode dar esperanças de um futuro melhor ao povo em lugares como a Líbia. E como poderemos saber se a mensagem está atingindo seu alvo, passando sobre as cabeças dos ditadores e alcançando o povo que eles governam? A resposta pode ser encontrada no destino de dissidentes encarcerados como Eljahmi. Esse é o teste decisivo. Quando esses dissidentes desfrutam de um apoio público avassalador do mundo livre, quando a pressão internacional resulta na sua soltura ou quando suas mortes provocam uma indignação internacional e sanções, um poderoso sinal é enviado a outros sofredores sob o regime de que eles não estão sozinhos. Mas quando dissidentes são deixados para morrer em prisões sem nenhuma reação internacional importante, a mensagem que é enviada é a dos opressores: não há esperança. No caso de Marchenko, a KGB calculou mal. Sua morte provocou protestos mundiais, contribuindo decisivamente para a decisão de Mikhail Gorbachev de soltar presos políticos em larga escala em 1987 - dois anos antes do colapso da URSS. Hoje, a bola está no campo do mundo livre. Será que seus líderes farão a Líbia pagar um alto preço, deixando claro aos líbios e a outros povos oprimidos que a brutalidade não será tolerada e a liberdade poderá um dia ser deles? Ou a mensagem se igualará à do regime líbio: que em seu país, a liberdade não tem futuro. Os próximos dias dirão qual foi a escolha do mundo livre. *Natan Sharansky, ativista pelos direitos humanos, passou 9 anos no gulag soviético. É presidente do Adelson Institute for Strategic Studies do Shalem Center, em Jerusalém

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