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Do despotismo à irrelevância política

Acusações de corrupção minaram influência; chilenos pareciam ansiosos para deixá-lo ser julgado pela história

Por Agencia Estado
Atualização:

Fora do tribunal, parentes das vítimas de Augusto Pinochet dançaram nas ruas no fim de 2004, quando um juiz chileno determinou que o ex-ditador estava em condições de ser julgado por abusos de direitos humanos e o expôs a uma ordem de prisão domiciliar. Em outros lugares, no entanto, o restante da sociedade chilena reagiu principalmente com indiferença. No auge, Pinochet era temido por muitos e admirado por poucos. Mas em seus últimos dias, era apenas uma lembrança de um passado que chilenos de todas as tendências políticas aparentemente preferem esquecer. Passados 16 anos desde sua renúncia, uma geração quase inteira de chilenos atingiu a maioridade desde então. E até os que se lembram bem de seus 17 repressivos anos no poder pareciam ansiosos para relegá-lo ao julgamento da história. Para os advogados de direitos humanos, cada passo das batalhas legais de Pinochet desde sua detenção em Londres, em 1998, foi importante para estabelecer novos princípios de responsabilidade nas leis nacionais e internacionais. Mas mesmo eles reconhecem que Pinochet, doente e com a reputação desmoronando, caía principalmente na irrelevância. ?A geração mais jovem não poderia se importar menos com Pinochet?, disse o chileno Jose Miguel Vivanco, diretor do Human Rights Watch das Américas. ?O fato de Pinochet ter se transformado em um cadáver político reduziu a pressão sobre o governo para que o responsabilizasse pelas atrocidades que cometeu.? Na memória do chileno médio, Pinochet está registrado principalmente como um motivo de embaraço. O Chile tem a economia mais dinâmica e estável da América do Sul, em parte um legado da era Pinochet. Mas quando viajam para a Europa ou a América do Norte, os chilenos descobrem que quase ninguém tem consciência da imagem do país moderno e próspero que querem projetar. Mas todos sabem quem é Pinochet. ?Os colombianos têm os cartéis da droga para manchar sua reputação quando vão ao exterior?, disse Rosa, uma agente de turismo de Santiago que não quis ter o sobrenome divulgado. ?Nós temos Pinochet.? Até defensores de Pinochet preferiram a distância. No passado, uma decisão judicial atrairia multidões substanciais para se manifestar em seu favor na frente da sede da Fundação Pinochet, que promove o legado do general. No entanto, após uma investigação do Senado dos EUA revelar, em julho, que Pinochet escondeu dezenas de milhões de dólares (até US$ 25 milhões, segundo alguns levantamentos) em bancos no exterior, todos ficaram abalados demais para defendê-lo. Embora os adversários de Pinochet tenham dominado os quatro governos que lideraram o Chile desde 1990, eles evitaram entrar em choque com as Forças Armadas e outros elementos do antigo regime, em nome da unidade nacional. Entretanto, com a imagem de Pinochet enfraquecida pelas acusações de corrupção, a estrutura de governo autoritário deixada por ele para paralisar seus sucessores civis começou a ser desmantelada. Em 2005, o Congresso chileno aprovou um plano de reforma constitucional que ampliou a autoridade civil e reduziu a capacidade dos militares de interferir no governo. As reformas também restauraram o poder do presidente de demitir comandantes militares e eliminaram as cadeiras no Senado reservadas aos ex-comandantes. A Constituição, escrita por e para Pinochet, data de 1980, quando foi aprovada num plebiscito condenado por grupos pró-direitos humanos como fraudulento. Num esforço para manter a primazia dos militares no caso da volta a um regime civil, ela garantia, até antes da reforma, a presença das Forças Armadas no Congresso e criava obstáculos para eventuais alterações, exigindo maiorias de até dois terços para emendas constitucionais serem aprovadas. A reforma, no entanto, não removeu totalmente o papel das Forças Armadas de agirem como árbitros da ?garantia da institucionalidade?

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