É hora de mudar a ''guerra ao terror''

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Por Olivier Roy
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De Gaza a Kandahar, o governo de Barack Obama enfrenta dois tipos diferentes de movimentos islâmicos: aqueles com objetivos globais (a Al-Qaeda e suas filiais regionais) e aqueles com objetivos nacionais e territoriais (o Taleban, o Hamas, a maioria dos seus adversários no Iraque). Não há o que ser negociado com os jihadistas globais, mas os movimentos nacionalistas islâmicos não podem ser simplesmente ignorados ou suprimidos. O Hamas representa nada mais do que o tradicional nacionalismo palestino com trajes islâmicos. O Taleban é mais uma expressão da identidade pashtun do que um movimento global. As facções iraquianas, por sua vez, estão disputando a partilha do poder no Iraque. A "guerra ao terror" da era de George W. Bush borrou esta distinção essencial ao misturar todos os opositores armados dos governos apoiados pelos EUA sob o rótulo do terrorismo. O conceito "guerra ao terror" impediu qualquer abordagem política para os conflitos, favorecendo uma vitória militar ilusória. Quando foi tentada uma abordagem política, esta funcionou. O sucesso relativo do "surge" - aumento do número de soldados americanos no Iraque, que proporcionou considerável segurança no país - tem como base a rejeição implícita da doutrina oficial da "guerra ao terror": insurgentes armados foram reconhecidos enquanto atores políticos com objetivos mais ou menos legítimos, separando-os, assim, dos militantes globais estrangeiros que não se importam com os interesses nacionais do Iraque. NOVA ABORDAGEM Será que a mesma abordagem poderia ser estendida ao Taleban e ao Hamas? A nomeação do general David Petraeus para chefe do Comando Central do Exército americano sugere que esta seria a ideia para o Afeganistão. Para o Hamas, o problema está nas mãos dos líderes israelenses, e não daqueles em Washington. (Esqueça a pressão que os EUA podem exercer sobre Israel. Tal pressão poderia apenas forçar o estabelecimento de um acordo temporário, mas não uma solução de longo prazo.) Ainda assim, tanto para o Afeganistão quanto para o território palestino, o problema é o mesmo: se a dimensão nacionalista desbanca a jihad mundial - coisa que eu acredito ser verdade - como é possível encontrar uma solução com base no reconhecimento da legitimidade das aspirações nacionalistas? Para os territórios palestinos, o Acordo de Oslo definiu a estrutura que ainda norteia a política comum do Ocidente: a solução de dois Estados. Um efeito colateral positivo de tal solução, que faz dela ainda mais desejável para Washington, é o fato de isto possivelmente abrir espaço para um novo alinhamento estratégico contra o Irã. Para todos os países árabes, com exceção da Síria, a maior ameaça atual vem do Irã, não de Israel. O problema é a realidade política nas ruas. Nenhum país árabe pode impor abertamente tamanha mudança estratégica enquanto não houver acordo entre Israel e os palestinos. Em resumo, a solução de dois Estados está clinicamente morta, apesar de continuar na agenda diplomática. Além desta realidade, os assentamentos espalhados e as exigências de segurança de Israel implicam na inviabilidade de um Estado palestino. Ao fazer da segurança um pré-requisito para qualquer jogada política, Israel age contra seu aliado em potencial, o presidente palestino, Mahmud Abbas e o partido Fatah (que são privados dos meios de ajudar seu povo), e favorece os radicais, que consideram inúteis as negociações. Israel e o Ocidente tentaram impor aos palestinos tanto a realização de eleições como o resultado das mesmas. Aos olhos do Ocidente, o povo palestino não devia ter escolhido o Hamas nas eleições de 2006, e sim a Autoridade Palestina - apesar de a AP ter sido sistematicamente privada dos meios concretos para governar. A opção de negociar com o Hamas nunca foi levada em consideração. É hora de considerar esta opção. Seja qual for a justificativa para as operações militares em Gaza, elas não vão funcionar. Desmantelar a capacidade militar do Hamas pode apenas ganhar tempo, mas não resolver a situação. Sob a lógica do cenário militar atual, ou a AP precisa ser reconduzida ao controle de Gaza - apenas para enfrentar a guerrilha política e militar do Hamas - ou o Exército de Israel precisa manter o controle, possivelmente com o envolvimento de soldados estrangeiros. Em ambos os casos, a "solução" militar evitará o surgimento de um Estado palestino. Portanto, o território palestino está fadado, na melhor das hipóteses, a estar sob permanente ocupação israelense ou submetida a alguma espécie de administração internacional. A sugestão de que Gaza poderia ser entregue ao Egito e o restante da Cisjordânia, à Jordânia só vai contribuir para o prolongamento do conflito. Tal eventualidade só faria anular o único resultado positivo das negociações de Oslo, que foi a transformação do conflito entre árabes e israelenses num conflito entre israelenses e palestinos. O problema do Taleban também é complexo. O Taleban não representa o nacionalismo afegão, mas a identidade pashtun. Durante os últimos 40 anos, a identidade pashtun se expressou por meio de movimentos ideológicos não nacionalistas (os movimentos mujahedin e agora o Taleban). MOTIVAÇÕES Assim, se o governo Obama de fato procura mudar a equação no Oriente Médio e no Afeganistão, deve reconhecer as motivações e aspirações verdadeiras que impulsionam grupos como o Hamas e o Taleban. Tal reconhecimento levaria os EUA a negociar com o Taleban no Afeganistão e procurar uma solução política, em vez de militar, que responda às aspirações legítimas dos pashtuns; levaria os EUA a não apoiar a ilusão de Israel, que se considera capaz de eliminar o Hamas pela força enquanto frustra a fundação de um Estado palestino. Uma nova ruptura, dispensando a mentalidade que compara o Hamas e o Taleban ao fenômeno bastante diferente da Al-Qaeda na "luta ao terror", avançaria muito mais no sentido de melhorar a segurança dos EUA e fortalecer a paz e a estabilidade na região que se estende de Gaza até Kandahar. *Olivier Roy é diretor de pesquisas no Centro Nacional Francês para a Pesquisa Científica, professor da Escola de Estudos Avançados e autor de "O Secularismo confronta o Islã"

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