É hora de reconhecer os emergentes

Obama deve olhar além da guerra na Faixa de Gaza para reformar o sistema multilateral global

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Por James Traub
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Antes mesmo de Israel lançar os ataques a Gaza há duas semanas, a equipe de segurança nacional de Barack Obama compreendeu que as crises poderiam facilmente eclipsar a agenda de transformação que o presidente eleito adiantou durante a campanha. Guerras no Iraque e no Afeganistão, instabilidade no Paquistão e ameaça de proliferação nuclear no Irã seriam mais do que suficientes para desalojar qualquer ideia de planejamento de longo prazo. Agora, o Oriente Médio está em chamas de novo. No entanto, um amplo leque de especialistas em política externa insiste para o futuro presidente olhar além da fumaça e do derramamento de sangue para reformar as estruturas governantes mundiais. Essas estruturas - como a ONU - datam do fim da 2ª Guerra, quando os vitoriosos tinham o monopólio do poder econômico e político, e o sistema de Estados parecia sólido. Não vivemos mais nesse mundo. Uma prova disso veio em novembro, quando George W. Bush reuniu o G-20 para tratar da crise financeira. Até então, a diretoria executiva do planeta era conhecida desde que se reuniu pela primeira vez, em 1975, como G-7 (ou G-8 quando a Rússia participava). Robert Hormats, ex-funcionário do Departamento de Estado, presente naquela primeira reunião, observa que, por muito tempo, as potências ocidentais "podiam gerir a economia global sozinhas". Agora, diz ele, "isso é inconcebível". A reforma está no ar. Em janeiro de 2008, o premiê britânico, Gordon Brown, fez um pronunciamento em Nova Délhi no qual observou que a globalização havia trazido novas potências para o primeiro plano. Ele pediu um novo momento de "criação" que incluiria mudanças na composição das instruções do pós-guerra e novos mecanismos para lidar com mudança do clima, pobreza, energia e não-proliferação nuclear. Bem mais provocativo para o mundo em desenvolvimento é a composição do Conselho de Segurança da ONU, cujo rol de membros permanentes com direito de veto não mudou desde a sua criação. Obama, diferentemente de seu antecessor, vê a ONU como um instrumento fundamental para a política externa americana, mas poderá ter algumas iniciativas bloqueadas pela antipatia do Terceiro Mundo à influência desproporcional do Ocidente. Especialistas dizem que ele angariaria uma enorme boa vontade se apoiasse abertamente assentos no conselho para os atuais aspirantes: Índia, Brasil, Alemanha, Japão e África do Sul. Será que um Conselho de Segurança ampliado ajudaria Obama a cortar o nó górdio no Oriente Médio? Infelizmente, não. A ONU desempenha hoje um papel apenas secundário de mediação entre Israel e palestinos, para os quais a Casa Branca e potências selecionadas do Oriente Médio continuarão sendo os interlocutores preferidos. Um novo Conselho de Segurança não poderia resolver tampouco as tensões criadas por um de seus membros permanentes, como uma Rússia, cada vez mais impaciente e belicosa. No entanto, da última vez que a ONU fez uma iniciativa séria para ampliar o conselho, em 2005, cada candidato tinha seu próprio inimigo jurado - geralmente, um vizinho. Alguns defensores sugeriram que Washington se concentrasse primeiro na limitação do uso do veto e, só depois, no acesso de novos membros. EFICIÊNCIA Ademais, tornar uma organização mais representativa não a torna necessariamente mais eficaz. A crise financeira demonstrou a necessidade de novos mecanismos regulatórios globais. Esses serão agora reunidos segundo instruções de ministros da economia do mundo em desenvolvimento e do Ocidente. Isso as tornará mais sólidas? Considerando a resistência de muitos membros do G-20 a padrões mais rígidos de contabilidade, a resposta é: "Não necessariamente." Então, qual será a alternativa? O Ocidente quer que China, Rússia e as economias emergentes se vejam como atores globais responsáveis. Isso significa dar-lhes participação no sistema e esperar que essa participação os torne partes interessadas melhores. Os defensores da reinvenção parecem ter os méritos do seu lado. Qual a importância de criar e reformar essas novas estruturas em comparação com a administração da crise? Essas perguntas foram feitas a elementos da equipe de transição de Obama, que não quiseram comentar. É evidente que a ONU pode esperar, ao passo que a paz no Oriente Médio, não. Mas existe outra maneira de olhar para a questão: um governo que queira trabalhar via instituições, e não por meio de coalizões, terá de escolher entre reformar essas instituições ou vê-las cair na irrelevância. Em outras palavras, a mudança virá, de um jeito ou de outro. Segundo David Rothkopf, especialista em segurança nacional, a questão é: "Permitiremos que ela avance no seu próprio ritmo, descoordenada, aos poucos, ou veremos isso como uma oportunidade e produziremos uma nova visão de um sistema que promova interesses americanos assim como a visão do pós-guerra fez por 60 anos?" *James Traub é direto de políticas para o Global Center for the Responsibility to Protect

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