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É escritor venezuelano e membro do Carnegie Endowment. Escreve quinzenalmente

Opinião|E o que mais agora?

Além da pandemia, também há a praga dos gafanhotos, o excesso de petróleo e a China

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Atualização:

A covid-19 é a coisa mais importante que está acontecendo para todo o planeta. Mas há outras coisas também ocorrendo, que embora sem o alcance e as consequências da pandemia, revelam tendências mundiais que afetarão toda a sociedade.

Trabalhadorespulverizam desinfetante dentro de uma sala de cinema antes de sua reabertura, depois que o governo tailandês facilitou as medidas de isolamento para evitar a propagação docoronavírus, em Bangkok, na Tailândia. Foto: Athit Perawongmetha / Reuters 

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Muitos gafanhotos. Eles são uma das piores pragas de que fala a Bíblia. Felizmente não são frequentes. No século 20, houve cinco surtos que devastaram as colheitas e deixaram a carestia no seu rastro. No fim do ano passado, o surto mais feroz dos últimos 25 anos se deu no deserto de Rub’ al-Khali, na Arábia Saudita, um dos lugares mais remotos e isolados do mundo. 

Os insetos deste surto são mais jovens do que os de costume, voam em uma velocidade maior e podem percorrer até 200 quilômetros em um só dia. Sua população se multiplica por 20 a cada três meses. No Quênia, um enxame estimado em 192 bilhões de gafanhotos alcançou uma dimensão três vezes maior do que a da cidade de Nova York. Em um único dia, um enxame de tamanho regular chega a devorar uma colheita que poderia alimentar 35 mil pessoas. A crise atual dos gafanhotos é também mais internacional. Saída da Península Arábica, atacou a África. Agora está devastando a agricultura da Índia, Paquistão e Afeganistão. A causa? Os ciclones que geram as condições de umidade propícia à reprodução dos gafanhotos. Antes, nas zonas de onde os enxames se originam, ocorria apenas um ciclone por ano e nenhum durante longos períodos.

Nestes tempos, no mundo, não se registra apenas uma presença excessiva de gafanhotos, como também há petróleo em demasia. Com as economias fechadas, a metade dos trabalhadores formais do mundo em suas casas e o transporte severamente restrito, o consumo de petróleo caiu enormemente.

Amy Jaffe, especialista em política energética, calcula que o excesso de petróleo acumulado em 2020 pode superar os bilhões de barris. Este petróleo bruto precisa ser armazenado, e a capacidade existente no mundo está chegando ao limite. Desse modo, hoje a cotação do petróleo é a mais baixa dos últimos 18 anos.

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As consequências deste fato para o futuro da energia no mundo são enormes. Investir em energia agora é menos atraente, por exemplo. A Agência Internacional de Energia acaba de informar que este ano ocorreu a maior queda da história dos investimentos no setor. Não só baixaram os investimentos em carvão, petróleo e gás, mas também em fontes renováveis, como energias solar e eólica. A falta de investimentos acabará reduzindo os volumes produzidos, provocando a subida dos preços.

Mas, enquanto isto acontece, os preços baixos levaram à falência as empresas de energia que operam com altos custos de produção ou têm uma situação financeira precária. Além disso, países como Arábia Saudita, Rússia, Irã, Nigéria ou Venezuela, cujas economias dependem quase exclusivamente da exportação de gás e petróleo, sofrerão uma crise econômica debilitante que poderá causar turbulências políticas internas ou alimentar conflitos internacionais.

Hong Kong morreu. Não por causa do vírus, mas por causa dos líderes chineses. A Assembleia Nacional Popular da China acaba de aprovar uma lei de segurança nacional que proíbe atividades como “traição, secessão, sedição, e subversão” em Hong Kong. Agora, o governo de Pequim pode intervir quando quiser no território, reprimindo toda atividade que considerar uma ameaça e ignorando as autoridades eleitas. Inevitavelmente, o papel crucial que até agora Hong Kong desempenhou como um dos pilares da economia da China declinará.

A China tem um território de 9,3 milhões de quilômetros quadrados e 1,4 bilhão de habitantes. Hong Kong tem 110 quilômetros quadrados e 7,5 milhões de habitantes. Como é possível que uma cidade tão pequena seja tão ameaçadora para um país tão gigantesco? É que de repente a China experimenta um imenso apetite pela hegemonia mundial.

Durante muito tempo, as autoridades chinesas insistiram que o restante do mundo não tem o que temer com o auge econômico ou com a crescente influência do seu país. A prioridade nacional, afirmavam, era tirar da pobreza tantos dos seus compatriotas quantos fosse possível e no menor tempo possível. Mas, ultimamente, começaram a aparecer sintomas de que o sucesso econômico abriu o apetite geopolítico dos líderes de Pequim. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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Opinião por Moisés Naim

É escritor venezuelano e membro do Carnegie Endowmen

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