'É possível derrotar o kirchnerismo'

Opositor mais forte para as eleições presidenciais, em outubro, Alfonsín acusa governo de ignorar desafios econômicos

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Por Ariel Palacios
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CORRESPONDENTE / BUENOS AIRESENTREVISTARicardo Alfonsín, candidato de oposição na eleição presidencial e filho do ex-presidente Raúl AlfonsínA batalha nas urnas contra a presidente Cristina Kirchner, no dia 23 de outubro, será muito dura, "mas não impossível". É esse mote que repete a seus partidários Ricardo Alfonsín, candidato da União Cívica Radical (UCR) à sucessão na Casa Rosada. Alfonsín foi o político mais votado da oposição nas eleições partidárias primárias do dia 14. A disputa foi uma espécie de prévia das presidenciais. No entanto, ele acabou com um total de 12,2% dos votos, bem atrás dos 50,2% de Cristina. O candidato da UCR é filho de Raúl Alfonsín, o primeiro presidente da Argentina após a volta da democracia, em 1983, e figura emblemática da política local, falecido em 2009. O filho do homem que enterrou a era dos militares na Argentina defendeu, em entrevista exclusiva ao Estado, que o kirchnerismo é "uma forma pragmática de governar, mas com marcas autoritárias".Para o sr., quais foram os três maiores presidentes da História da Argentina?Hipólito Yrigoyen (1916-22 e 1928-30), Arturo Illia (1963-66) e Raúl Alfonsín (1983-89). Esses líderes do radicalismo fizeram coisas boas. Dos presidentes peronistas, questiono seu desdém pelas instituições.Como o sr. definiria o peronismo e, principalmente, sua vertente kirchnerista, força com a qual o sr. se confrontará nas urnas?É uma força política com pouca visão republicana, mas pragmática. Concebe a política a partir da relação entre amigo e inimigo. Às vezes, demonstra tendências ou características um tanto autoritárias - produto dessa concepção de política -, além de uma escassa vocação para o diálogo. Chega quase ao ponto de desqualificar a negociação, condição própria da república. Não digo que estamos diante de um governo que não é democrático, mas que tem comportamento autoritário e desdém pelas instituições.Em 1995, o presidente Carlos Menem foi reeleito apesar dos escândalos de corrupção. Os argentinos votaram em Menem acreditando que a economia era estável, embora pouco depois tenha ruído. É possível fazer um paralelo entre 1995 e 2011? Cristina poderia vencer graças à política de adiar a solução de problemas econômicos?Os dois momentos são muito parecidos. Em 1995, as pessoas tinham a sensação de que a economia estava melhorando, depois das várias crises que havíamos passado. Isso fez com que Menem ganhasse as eleições. A situação hoje é similar. Existem problemas econômicos que estão sendo encobertos. Há dificuldades que estão sendo provocadas por erros que o governo comete, como a inflação, a falta de energia, desequilíbrios nas contas públicas.A frase "sem peronismo é impossível governar a Argentina" é ainda muito popular. Caso vença as eleições, o sr. pensa em convocar setores do peronismo para participar de seu governo? Essa frase tem a ver com um preconceito que existe na Argentina. No entanto, a política mudou e os atores hoje são outros. Não é uma frase correta. Caso vença as eleições, porém, gostaria de contar com peronistas e com pessoas de outros partidos no governo, para que participem da gestão. Adoraria contar com homens de confiança da sociedade.Quais são as chances de o sr. levar as eleições?Sei que ganhar é difícil, em qualquer eleição. Existem muitos elementos que a gente simplesmente não controla. Contudo, trabalhamos para ganhar. Uma eleição é uma oportunidade para discutir questões importantes. Nós vamos debater a situação da Argentina, vamos discutir sobre o que é preciso fazer. A sociedade refletirá sobre isso e tomará sua decisão. Acho que a melhor coisa que poderia acontecer para o país agora é um triunfo de nossa força política. Pode ser difícil, mas não é impossível.Analistas afirmam que o casal Kirchner exerceu um "hiperpresidencialismo", que tendia à "hegemonia". O que o sr. acha desses conceitos?Somos uma sociedade democrática. Esse é um governo democrático, embora, às vezes, traga marcas autoritárias em sua relação com a oposição e um descuido com as instituições nacionais. Mas, sim, houve uma pretensão hegemônica do governo Kirchner, que trabalhou para terminar de destruir o sistema de partidos políticos.O sr. acha que os Kirchners apropriaram-se de bandeiras de outros partidos, como a defesa dos direitos humanos?Para os Kirchners, o relato dos fatos históricos não tem, necessariamente, de refletir a realidade do passado. Eles podem ser narrados como lhes convém. Não acho que seja bom que um governo queira escrever uma história diferentemente do que de fato ocorreu. No entanto, a verdade é que os Kirchners tiveram relativo sucesso com isso, incutindo novas verdades a despeito do passado. Isso se aplicaria à questão dos direitos humanos?Os peronistas não quiseram participar da Comissão Nacional de Desaparecidos, nos anos 80, e não queriam os julgamentos de militares. Em 1991, esses peronistas - muitos dos quais estão hoje no governo - respaldaram o indulto de Menem a dezenas de generais. Esses mesmos peronistas, a partir de 2003, começaram a colocar militares de novo na cadeia. Eles contam a história hoje como se os julgamentos tivessem começado durante o governo Kirchner e não no governo Alfonsín, em 1985. Nossos colegas do peronismo são espertalhões.O uso da máquina do Estado por parte do governo Kirchner inclui até a reestatização das transmissões dos jogos do campeonato argentino de futebol para fazer publicidade oficial, além da grande variedade de subsídios...Sem dúvida alguma, nunca antes na história do país uma oposição teve de enfrentar uma máquina estatal desse tipo. O governo conta com muitos meios de comunicação a seu favor, de empresários privados amigos ou os agências estatais. Há um grande aparelho midiático em toda a Argentina, que envolve revistas, jornais, canais de TV e rádio. E, além disso, os meios de comunicação independentes criticam tanto o governo quanto nós. Aliás, nós somos criticados intensamente.Caso Cristina ganhe as eleições, o país terá mais quatro anos de kirchnerismo, o que significariam 12 anos acumulados, desde 2003. O que isso representará para a Argentina?Se eles não produzirem mudanças em termos institucionais e republicanos, continuaremos atrasados. No dia 10 de dezembro, a presidente Dilma Rousseff virá para a posse de um presidente argentino. Acredita que o sr. será a pessoa que ela verá receber a faixa presidencial?Vamos ver, vamos ver, meu filho. Vamos lutar para isso.PARA LEMBRARCandidato vive à sombra do paiAlém de filho, o candidato opositor Ricardo Alfonsín é fisicamente muito parecido com Raúl Alfonsín, o primeiro presidente civil da Argentina, após a volta da democracia em 1983. "Há anos a turma me chama Dolly", brinca, em referência à famosa ovelha clonada. O nome de Ricardo ganhou força para disputar a Casa Rosada na ocasião da morte de seu pai, em 2009. À época, 100 mil pessoas foram ao Congresso Nacional dar o último adeus ao ex-presidente, figura ainda hoje muito querida entre os argentinos.

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