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Economist: Países do Leste Europeu se inquietam com crise na Ucrânia

Até mesmo nações relativamente amigáveis na região desconfiam do expansionismo russo

Por The Economist
Atualização:

Os escritórios municipais da cidade estoniana de Narva distam pouco mais de um arremesso de bola de neve da Rússia. De sua janela, Katri Raik, a prefeita, consegue ver carros e caminhões gotejando pelo posto de controle fronteiriço. Mais de 80% dos residentes de Narva são russos étnicos, um legado dos séculos durante os quais a cidade foi parte primeiro do Império Russo e depois da União Soviética

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Russos étnicos, quase um quarto da população, integraram-se mais desde que a Estônia ficou independente, 30 anos atrás. Ainda assim, a maioria manda os filhos para escolas que adotam a língua russa e confia nos meios de comunicação russos. “Ontem, alguém da Câmara Municipal disse ‘U nikh v Estonii tak (É assim que as coisas são na Estônia)’”, afirma Raik.

Ex-ministra do Interior, Raik foi eleita em dezembro prometendo estabelecer pontes. Uma nova escola, que adotará língua estoniana, será inaugurada em setembro. A economia da região agora está orientada para o Ocidente. Mas a concentração de tropas russas na fronteira ucraniana faz Narva lembrar de sua localização geográfica.

Opiniões dividem-se segundo linhas genealógicas. Durante várias conversas, estonianos étnicos se referiram à Rússia como agressora, enquanto russos étnicos tendem a considerar exagerado o risco de guerra ou culpam a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). “Todos sabemos o que os outros pensam, então simplesmente não falamos disso”, afirma Raik.

Soldados franceses participam de exercício como parte de uma operação da Otan no acampamento Tapa do Exército da Estônia, perto de Rakvere, em 6 de fevereiro de 2022 Foto: Alain Jocard/AFP

Por todo o leste da Europa, a ameaça de guerra na Ucrânia evoca medos ancestrais. A maioria dos países, a Estônia entre eles, é membro da Otan e não corre risco imediato de invasão. Mas faz séculos que sua política é moldada pelo expansionismo russo e soviético. Atualmente, muitos países do Leste Europeu estranham-se com o Kremlin em razão do fornecimento de energia ou corrupção financiada pela Rússia. Outros mantêm relações mais amigáveis, favorecidas pelo comércio, por minorias de língua russa ou por políticos que se dão bem com o presidente Vladimir Putin. Mas mesmo nesses lugares a crise na Ucrânia causa problemas.

Os países bálticos, que foram território soviético até 1991, são as vozes mais firmes por dissuasão e sanções severas. “Interdependência significa você ser capaz de prejudicar quem depende de você”, afirma a primeira-ministra estoniana, Kaja Kallas, cuja família materna foi deportada para a Sibéria sob Stalin. O governo de Kallas está tentando enviar armas para a Ucrânia, mas a Alemanha tem bloqueado a passagem de equipamento de fabricação alemã. No dia 27, o ministro da Defesa da Letônia qualificou a posição alemã como “imoral e hipócrita”.

No meio do ano, quando Putin escreveu um ensaio alegando que a Ucrânia não é um país legítimo, ele acendeu alarmes na Estônia, Letônia e Lituânia, pois já expressou argumentos similares a respeito desses países, na década de 2000. Estrategistas de defesa desses países consideram a Rússia uma ameaça à sua existência.

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Na Romênia e na Bulgária as coisas são mais complexas. Ambos os países são membros da Otan. Mas a política dos dois países é impregnada de corrupção, parte dela ligada à Rússia, e pouco se entusiasmaram com políticas americanas que vinculam esforços anticorrupção à segurança regional. Políticos romenos imploraram durante anos para a Otan aumentar sua presença, mas os búlgaros têm minimizado novos destacamentos para não irritar eleitores simpáticos à Rússia. Ainda assim, ambos os países se enfureceram quando a Rússia exigiu, no dia 21, que a Otan retire as forças que mantém em seu território. Na quarta-feira, Joe Biden anunciou, em vez disso, o envio de outros 3 mil soldados para a região.

Ambivalência

É na Europa Central que as atitudes em relação à Rússia são mais ambivalentes. Viktor Orbán, o primeiro-ministro populista da Hungria, é amigável a Putin e o visitou em Moscou no dia 1.º. Ele imitou o modelo de governo de Putin, assumindo o controle dos meios de comunicação e do Judiciário. E também comprou usinas nucleares da Rússia, fez acordos para circulação do gás russo evitando a Ucrânia e pediu persistentemente o relaxamento das sanções da UE. Milos Zeman, presidente da República Checa, também é próximo a Putin. Mas Petr Fiala, o novo premiê checo, está caminhando de braços dados com a Otan e a UE.

O governo da Polônia também mantém alguma afinidade com Putin. É conservador, religioso e nacionalista – e está se desentendendo com a UE em razão de seus esforços para transformar juízes em peões políticos. Mesmo assim, é o governo europeu que se posiciona mais ferozmente contra a Rússia. O Império Russo controlou grande parte da Polônia ao longo do século 19 e tentou russificar sua população. Na 2.ª Guerra, Stalin dividiu a Polônia com Hitler e executou grande parte da elite do país. Muitos poloneses veem a Rússia como um país que tentou eliminá-los enquanto nação.

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Energia

Países do Leste Europeu pagarão um preço por isolar a Rússia, especialmente no setor de energia. Em outubro, a Moldávia foi forçada a firmar um dispendioso contrato de compra de gás com a Gazprom, e as contas de luz cada vez mais caras quase tiraram do poder o governo de Kallas, em janeiro. Mas a Rússia está entre os cinco maiores mercados de exportação apenas entre os países bálticos. Em nenhum país o investimento direto russo representa mais de um décimo do investimento da UE, mas em alguns bolsos o dinheiro russo desempenha um papel significativo.

Em Narva, por exemplo, cerca de 30% das empresas da zona industrial da cidade pertencem a russos, reconhece Vadim Orlov, o diretor do local. Empresários russos querem fábricas em países regidos pelo estado de direito. Por que motivo a Estônia deveria apoiar sanções que poderiam dificultar as coisas para empresas de seu país pertencentes a russos?

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Uma razão para isso é que a Rússia também gosta de usar sanções. Kallas cita 2007, quando o país retaliou em razão da retirada de um memorial em homenagem aos soldados soviéticos, em Tallin, suspendendo o fornecimento de combustíveis. Dumitru Alaiba, parlamentar da Moldávia, lembra de 2014, quando os russos impuseram um embargo sobre o país depois de o governo moldávio assinar um acordo com a UE. “Aprendemos que lidar com a Rússia é arriscado”, afirma Kallas. Se as relações da Rússia com a região se enfraquecerem mais, Putin só poderá culpar a si mesmo. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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