Alheio ao retinir de panelas em sua cozinha numa noite de sábado, Jörg Sackmann franze a testa em concentração. “Espuma”, ordena, brincando com rodelas de cebola num prato e pondo no centro uma gema de ovo aquecida. Um jovem verte uma frigideira de bolhas na borda da “cebola à carbonara”. Vigiando atentamente através de óculos especiais, Sackmann polvilha pimenta-negra: “Nem muito, nem pouco”.
Em 2014, pratos como esse deram a Sackmann sua segunda estrela do Guia Michelin, a bíblia da gastronomia. Com dois restaurantes 3 estrelas nos vizinhos hotéis Bareiss e Traube Tombach, o vilarejo alemão de Baiersbronn soma um total de oito estrelas do Michelin.
Londres tem uma estrela para cada 100 mil habitantes. Paris, uma para cada 16 mil. Este canto tranquilo da Floresta Negra tem uma estrela para cada 2 mil habitantes.
O segredo é o equilíbrio. Baiersbronn é provinciana no limite. O solo pobre e o isolamento fizeram de seus moradores pioneiros. Eles inventaram o aglomerado de madeira para aproveitar pedaços de árvore que não podiam ser utilizados.
Quando o litoral espanhol ameaçou sua nascente indústria do turismo, no pós-guerra, eles se voltaram para a gastronomia. Heiner Finkbeiner, dono do Traube Tonbach, lembra que levantava todo dia às 5 horas para dirigir até Estrasburgo para comprar fígado de ganso.
Embora criativa, a cozinha de Baiersbronn é também despretensiosa. Uma sobriedade e praticidade típicas da Suábia – “shaffe, shaffe, Häusle baue” (trabalhe, trabalhe, faça sua casinha), diz um ditado local – induzem seus chefs ao improviso.
Pratos com centenas de ingredientes e composições incrementadas não existem. “A comida tem de parecer, cheirar e ter o sabor do que é”, diz Claus-Peter Lumpp, que ganhou a terceira estrela do Bareiss.
A amigável rivalidade entre os restaurantes ilustra o terceiro ponto de equilíbrio por trás do sucesso do vilarejo: a competitividade eleva os padrões, mas a colaboração ajuda a mantê-los altos. Por exemplo, ao lado de outros negócios locais, os restaurantes criaram um novo currículo para as escolas, substituindo cursos tradicionais por artes culinárias.
Êxodo. Uma hierarquia simplificada – característica das empresas familiares alemãs pequenas e médias – encoraja os nos novos cozinheiros a resistir à atração dos restaurantes das cidades e a manter suas habilidades no vilarejo.
Mas nem todos ficam. Moradores de Baiersbronn se orgulham de que restaurantes de ponta de todo o país têm chefs que passaram pelas cozinhas locais. A rede de ex-alunos e ex-profissionais locais de culinária conquistou coletivamente pelo menos 82 estrelas (se fosse um país, esse conjunto estaria em 12º lugar no mundo).
Mas, sempre acrescentam eles, a história do vilarejo, os valores da Suábia e a cultura corporativa tornam a receita de seu sucesso gastronômico difícil de replicar em outra parte. Esse sucesso tem raízes no solo árido de Baiersbronn. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ