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´Eixo do mal´, enigma para os EUA

Faltam aliados e boas opções militares para um ataque dos EUA à Coréia do Norte, Iraque ou Irã

Por Agencia Estado
Atualização:

Países fora-da-lei podem fornecer armas apocalípticas a terroristas? Vejamos como eles se alinham. Retórica à parte, "eixo do mal" não significa muito. Iraque e Irã são inimigos ferrenhos - enfrentaram-se na mais sangrenta guerra dos anos 80 - e a Coréia do Norte tem pouco em comum com qualquer deles. Embora se acredite que todas as três "nações fora-da-lei" estejam desenvolvendo armas de destruição em massa, não é iminente nenhum ataque dos Estados Unidos contra qualquer delas; boas opções militares são tão escassas quanto aliados para uma empreitada do gênero. Washington tem pela frente desafios, e algumas oportunidades, de três países muito diferentes. Iraque Ameaça: Sabe-se que lacaios de Saddam Hussein trabalham no desenvolvimento de armas nucleares, químicas e biológicas. O Iraque tenta reconstruir sua indústria de mísseis, e inspetores de armas a serviço das Nações Unidas ainda não foram autorizados a voltar ao país. Embora alguns grupos palestinos alquebrados tenham bases em Bagdá, o Iraque parece ter-se distanciado do apoio ao terrorismo. Opções: Washington está pressionando pela volta dos inspetores da ONU. Também começa a examinar as possibilidades de ação militar unilateral. "Pense em Osirak", diz uma fonte do Departamento de Defesa, referindo-se à arrojada incursão aérea israelense que mutilou um reator iraquiano em 1981. Uma expressão até mais popular no governo americano hoje em dia é "troca de governo". Mas a oposição interna no Iraque é fraca e, para Saddam ser derrubado, seria necessária uma operação militar de grande envergadura. Armadilhas: Planejadores do Pentágono (Departamento de Defesa) calculam que uma ofensiva contra Bagdá precisaria de 100 mil soldados americanos - e talvez o dobro disso. Até agora não existem na região nem soldados nem bases de aliados. Mesmo ataques aéreos contra instalações de desenvolvimento de armas talvez não sejam viáveis, pois os alvos não foram localizados. E, se Saddam aceitar a volta dos inspetores de armas a serviço da ONU, possivelmente será preciso adiar a troca de regime no Iraque. Irã Ameaça: Teerã apóia grupos terroristas ativos, como o Hamas. E trabalha no desenvolvimento de armas nucleares, químicas e biológicas e em tecnologia para mísseis. Tais iniciativas podem ser principalmente defensivas, motivadas pelo medo de um Iraque ressuscitado. Opções: O governo Bill Clinton tentou melhorar relações com o presidente do Irã, Mohammed Khatami, relativamente moderado. Os resultados foram confusos, na melhor das hipóteses. Os líderes religiosos que ainda dão a palavra final sobre política iraniana continuam considerando os EUA o "grande satã". De sua parte, o governo George W. Bush é geralmente mais cético que o de Clinton quanto às perspectivas de conciliação diplomática. Mas o discurso de Bush sobre o Estado da União foi mais duro com os mulás iranianos não eleitos do que com o governo eleito de Khatami. Bush propôs ao Irã escolher entre cooperação e confronto, esperando fortalecer os reformistas. Já que em sua maioria os teocratas governantes são idosos, o tempo parece ser um aliado dos moderados, que têm o firme apoio da juventude inquieta do país. Por enquanto, parece que no Pentágono não existe exame sério de opções militares americanas contra o Irã. Armadilhas: A única ligação sólida entre os três países citados por Bush como "eixo do mal" é que o Irã está comprando, da Coréia do Norte, tecnologia para mísseis. O país tenta trabalhar em cima dessa base e desenvolver sua própria indústria de mísseis. Se os responsáveis pelo desenvolvimento forem deixados em paz, o Irã pode ter um protótipo de míssil balístico de longo alcance em 2015, ou talvez antes, segundo cálculos da inteligência americana. Coréia do Norte Ameaça: A Agência Central de Inteligência (CIA) acredita que a Coréia do Norte tem material suficiente para produzir uma ou duas armas nucleares. Pyongyang também ameaça a Coréia do Sul com um Exército de quase 1 milhão de homens, apoiado por milhares de tanques e aviões militares. Acredita-se que o Norte tenha cerca de 50 mísseis capazes de transportar gás dos nervos até Seul, a capital sul-coreana. Até agora o líder intransigente da Coréia do Norte, Kim Jong-il, faz emperrar a "política de abertura" do presidente sul-coreano, Kim Dae-jung. Proliferação é outra especialidade de Pyongyang. Mísseis e outras armas são praticamente os únicos itens de exportação que rendem moeda forte para a Coréia do Norte, assolada pela escassez alimentar. O Paquistão é um grande comprador de mísseis norte-coreanos. Opções: Durante a última década, Washington e Seul conseguiram em certa medida abrandar a conduta de Pyongyang por meio de negociação. A Coréia do Norte concordou em interromper seu programa nuclear em 1994 e seus testes de mísseis em 1999. Em 2000, prometeu formalmente aderir à luta contra o terrorismo. A retribuição por esta atitude melhorada incluiu a promessa de diálogo com os EUA e o afrouxamento de sanções econômicas. Nenhum avanço foi feito na questão do diálogo desde que Bush tomou posse. Se Washington optar por ação preventiva contra o Norte, pode recorrer a planos de invasão que vêm sendo aprimorados nos últimos 50 anos - e tremendamente atualizados nos últimos cinco a sete anos, dizem fontes do governo americano. Armadilhas: Os planos pressupõem o início de uma guerra pela Coréia do Norte, que invadiria o Sul e arrasaria Seul; a seguir, com pesado apoio dos EUA (que já têm 37 mil soldados acantonados na península), os defensores repeliriam os atacantes e avançariam até Pyongyang. A iniciativa de um ataque americano poderia visar à substituição do regime na Coréia do Norte. Mas as perspectivas de uma operação americana preventiva contra o Norte não são boas, pois provavelmente Seul se oporia a tal iniciativa. Forças americanas iriam precisar de bases aéreas no Sul - que quase certamente lhes seriam negadas. Conclusão: Encurralar um rato pode ser perigoso. Um ataque militar dos EUA à Coréia do Norte - ou ao Iraque, ou ao Irã - poderia acabar provocando exatamente o tipo de catástrofe que Washington quer evitar. Ir em frente não seria fácil.

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