Eleição britânica ao estilo político americano

Disputa pela cadeira do premiê entre o trabalhista Brown e o conservador Cameron [br]incorporou linguagem eleitoral dos EUA, com direito a debates na TV e cônjuges ativas

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Por Anthony Faiola
Atualização:

Quando as câmera começaram a gravar num estúdio de Manchester, ontem à noite, os britânicos ingressaram numa nova era política: a era do debate na TV ao estilo americano. Pela primeira vez na história da Grã-Bretanha, os candidatos ficaram um em frente ao outro no horário nobre. Os observadores consideram a novidade uma verdadeira revolução em um processo político histórico, que alterará a essência da eleição mais intensamente disputada para o cargo de primeiro-ministro há gerações.Os debates deverão aumentar a importância do carisma - um ingrediente político mais associado aos presidentes americanos - que dá aos candidatos em desvantagem uma chance de brilhar, e aos favoritos a possibilidade de pôr tudo a perder, ao vivo pela TV. A imprensa britânica está tratando os três debates como um suspense: É possível que as eleições de 6 de maio sejam decididas por um momento semelhante ao do confronto John F. Kennedy versus Richard Nixon? A introdução dos debates televisionados assinala mais um passo numa tendência que muitos consideram uma "americanização da política britânica". Tradicionalmente, as campanhas concentravam-se na política e em um gabinete forte, bem como no candidato do partido ao cargo de primeiro-ministro. Tudo isso mudou em grande parte com a ascensão de Tony Blair, que contratou os gurus do ex-presidente Bill Clinton, Mark Penn e Stanley Greenberg, e inaugurou uma mudança histórica do estilo político - que, pelo menos aos britânicos, pareceu excessivamente americano.Mas os observadores afirmam que a campanha deste ano é totalmente diferente, pois reflete o sistema americano. A apenas três semanas do dia das eleições, os paralelos com a campanha presidencial americana de 2008 - incluindo a importação dos principais assessores de Obama, com a grande contribuição das bases do partido que trabalham na Internet e uma valorização maior das esposas dos políticos - estão provocando uma discussão de âmbito nacional sobre o brilho da exposição na mídia em comparação com o conceito que valorizava elementos como política e conteúdo real.No entanto, para alguns, as semelhanças representam simplesmente a globalização das campanhas políticas de sucesso, a incorporação dos sites de redes socais e o carisma do candidato, que contribuíram para tornar a campanha de Obama um protótipo moderno."Os britânicos dizem que não querem isso, que não querem toda esta personalização da política que vocês têm nos Estados Unidos. Mas é evidente que estão reagindo ao novo estilo, e os políticos estão fazendo simplesmente algo que funciona", disse Tony Travers, um especialista em política da London School of Economics.À americana. Num país em que os cônjuges de candidatos costumam permanecer nos bastidores, a esposa de David Cameron, o representante dos conservadores, e a do primeiro-ministro trabalhista Gordon Brown, candidato à reeleição, estão deslumbradas com a atenção sem precedentes da mídia, mais característica do processo eleitoral americano. Elas assumiram um papel muito mais ativo do que suas antecessoras; por exemplo, Sarah Brown, ex-executiva de Relações Públicas, tenta atrair sozinha 1,1 milhão de seguidores no Twitter."Acho que os partidos viram o que Obama fez, e procuram usar esta estratégia", disse Stephen Cooke, de 43 anos, um homem de vendas da área de tecnologia da informação em Londres, que admite gostar da campanha "mais americana". Quanto ao fato de as esposas dos líderes assumirem um papel mais destacado, e de serem continuamente comparadas com Michelle Obama, ele diz: "É como ter uma primeira-dama! Sim, por que não?" Mais do que nunca, os que trabalham nas campanhas na Grã-Bretanha também adotaram o voto da "mamãe", inspirando-se em sites como Mumset e Netmums. Esses serviços oferecem o que para os observadores é o equivalente local das mães dos jogadores de futebol nos EUA, que tanto influenciaram os resultados nas recentes campanhas americanas à presidência. As mensagens dos candidatos são concisas e simples. David Cameron - que tenta quebrar a sequência de 13 anos dos trabalhistas no poder - adotou um slogan que deve soar familiar aos partidários de Obama: "Vote for Change" (Vote pela mudança).Por sua vez, Brown, acusado de ser difícil de abordar, apresentou-se diante dos telespectadores em uma entrevista inusitada na TV, totalmente emocional, num país famoso por reprimir as próprias emoções. Ele fez uma descrição íntima de seus sentimentos ao falar da morte da filha ainda bebê, que faz parte de uma tendência a usar entrevistas políticas num tom mais pessoal neste país, que recentemente o Financial Times criticou como algo "mais apropriado para Oprah Winfrey do que para a postura política tradicional da BBC".Segundo o sistema britânico, os eleitores não elegem diretamente o primeiro-ministro. Eles votam em candidatos ao Parlamento em votações locais, nas quais a legenda que obtém a maioria das cadeiras ganha o direito de formar o governo. Mas os políticos britânicos adotaram as táticas americanas por uma razão simples: aparentemente, elas têm o que os eleitores britânicos querem. Brown, por exemplo, recebeu um forte impulso depois de sua entrevista emocional na TV, embora ainda esteja atrás de Cameron nas pesquisas de opinião."Com certeza, os debates poderão levar a uma grande mudança do jogo, e é aí que o paralelo com os EUA é mais relevante", observou Peter Riddell, colunista político do Times de Londres e autor de vários livros sobre política britânica. "Será que alguém cometerá uma gafe? Alguém captará o momento certo antes das eleições? Será um espetáculo fascinante". / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA É CORRESPONDENTE EM LONDRES

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