Eleição de amanhã expõe fraturas da sociedade libanesa

Parlamento terá dois meses para eleger presidente do país, sem romper o frágil equilíbrio de poder entre facções

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Por Gustavo Chacra
Atualização:

Uma eleição nacional com quatro candidatos para presidente no mundo árabe, conhecido por suas ditaduras e monarquias absolutistas. Da qual os dois políticos mais populares do país não podem participar - o líder do Hezbollah, xeque Hassan Nasrallah, e o da coalizão governista 14 de Março, Saad Hariri. Um processo que pode durar de um dia a dois meses, cujo resultado é imprevisível. Esse é o Líbano que não vai às urnas amanhã, mas sim ao Parlamento, já que as eleições são indiretas. Para entender esse cenário é preciso recuar a setembro de 2004: os deputados deveriam ter eleito um sucessor para o presidente Emile Lahoud. Na época, o Líbano era ocupado por 40 mil militares sírios e as ordens partiam de Damasco. Os principais opositores de Bashar Assad na época estavam no exílio ou na prisão. Como não havia um candidato que se moldasse ao que queria o regime sírio, a saída foi prorrogar o mandato de Lahoud, que terminaria em novembro daquele ano, após seis anos no cargo. A medida foi aprovada no Parlamento. Mas um grupo de parlamentares, liderados pelo então premiê Rafic Hariri, votou contra. Depois de anos, a Síria era desafiada abertamente. E pela figura mais forte do país, que deixou a chefia do governo após a prorrogação do mandato do presidente. Bilionário, o ex-premiê fizera fortuna na Arábia Saudita. De volta ao Líbano, Hariri entrou para a política após o fim da guerra civil em 1990. Foi premiê por duas vezes, entre 1992 e 1998 e, depois, de 2000 a 2004, vivendo uma relação de amor e ódio com a Síria. Mas sem nunca ser visto como um líder anti-Síria. Com os sírios desafiados, vozes em Beirute começaram a pedir a desocupação do Líbano, e o fim do mandato de Lahoud. Em 14 de fevereiro de 2005, quando voltava do Parlamento no centro de Beirute, reconstruído por ele, Hariri foi morto na explosão de um carro-bomba. A morte levou à Revolução dos Cedros, com a retirada síria e centenas de milhares de libaneses nas ruas por vários dias. Os dois principais líderes cristãos, Michel Aoun e Samir Gaegea, voltaram à cena política. O primeiro retornou do exílio e o segundo saiu de um calabouço no subsolo de um ministério libanês após 11 anos. Dois nomes fortes, na época, para a presidência. Mas antes foram convocadas eleições parlamentares. Uma coalizão que incluía o 14 de Março e até mesmo o Hezbollah foi eleita com um governo de união nacional, sob o comando do premie Fuad Siniora. Lahoud permaneceu no cargo, com apoio do Hezbollah e de figuras ligadas à Síria. Após a ofensiva de Israel, em 2006, tudo mudou. O Hezbollah, já separado da 14 de Março e favorável a Aoun, passou a exigir mais poder. A 14 de Março rejeitou, e o Hezbollah (com seus aliados) deixou o governo. Mais do que isso, o Hezbollah e os cristãos pró-Aoun, do Movimento de Libertação Patriótica (MLP), acamparam diante do Parlamento, que não reabriu até hoje. Tudo no Líbano é dividido de acordo com a religião. O Parlamento tem de ser metade cristão (a maioria maronita, mas também ortodoxos, armênios, assírios, católicos, protestantes, melquitas, entre outros) e metade muçulmano (sunitas, xiitas e drusos). O presidente do Parlamento sempre é xiita. O premiê, sunita. O presidente, cristão-maronita. Por isso, mesmo populares, nem Saad Hariri (filho de Rafic Hariri), que é sunita, nem Nasrallah, que é xiita, podem ser presidentes. Entre os maronitas, há hoje quatro candidatos. Três da 14 de Março - o mais importante, Nassib Lahoud (aparentado, mas inimigo político do presidente) - e o opositor Aoun. Apesar de o presidente ter de ser cristão, a escolha se dá por todo o Parlamento. Hoje os sunitas, em sua maioria, estão com a 14 de Março, assim como a maior parte dos drusos. Eles apóiam um dos três candidatos da coalizão. Os xiitas e uma pequena parte dos sunitas e dos drusos estão com Aoun, que, por sinal, é um dos poucos políticos cristãos que são considerados líderes - isto é, que têm seguidores. O outro é Geagea (lê-se ''''Jaja''''), mas que não tem condições de ser eleito por ser visto como extremamente sectário - é um radical cristão-maronita. É importante notar que os governistas são aliados dos EUA, da França e da Arábia Saudita, enquanto a oposição é apoiada pela Síria e pelo Irã. No entanto, muitos dos libaneses que o Ocidente gosta de mostrar em fotos em calças jeans, camisetas e iPods, falando em inglês, são seguidores de Michel Aoun - aliado do Hezbollah. E muitos religiosos sunitas estão com os EUA. Não há um embate entre o Líbano ''''ocidental'''' e o ''''árabe''''. De qualquer forma, os cristãos sentem falta dos presidentes poderosos, que foram os fundadores do Líbano, como Bishara al-Khoury e Emile Edde (avô do brasileiro Carlos Edde, um político no Líbano hoje), nos anos 30 e 40. Ou de Camille Chamoun, nos anos 50, época de apogeu econômico. De Fuad Shihab, o Charles de Gaulle libanês, nos 60. O último grande líder cristão - apesar da ideologia algo fascista - foi Bashir Gemayel. Ele foi morto ainda jovem, há 25 anos. Por enquanto, temendo novos carros-bomba, parlamentares libaneses escondem-se por Beirute e em outras partes do país. Negociações para um acordo estão suspensas, desde o atentado que matou o deputado governista Antoine Ghanem, semana passada. A oposição quer um candidato de consenso e exige que o presidente tenha dois terços dos votos. Os governistas querem votação por maioria simples. Um nome de consenso seria o do comandante das Forças Armadas, Michel Suleiman. Mas por enquanto isso é especulação. Uma das possibilidades é não haver escolha de um presidente até o fim do mandato de Lahoud, em dois meses e, conseqüentemente, a formação de um governo nacional. Exatamente como em 1988, durante a guerra civil.

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