Eleição de Arce na Bolívia retoma projeto posto em pausa no ano passado, diz pesquisador

Relação com Brasil deve ser mais distante agora, avalia analista, mas governo boliviano deve retomar antigos laços com Cuba e China 

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Por Levy Teles
Atualização:

Depois de quase um ano de caos político com a renúncia de Evo Morales e o surgimento de um governo interino, Luís Arce sai como triunfante das eleições bolivianas, em um sinal de que o país deve retomar o caminho interrompido em novembro de 2019. Arce desponta como possível nova liderança para o Movimento ao Socialismo (MAS) - partido criado pelo pelo ex-presidente Evo, exilado na Argentina - e promete adotar um caminho mais conciliador, na retomada do grupo que está no topo do Executivo desde 2006, avalia Eduardo Gamarra, professor da Florida International University e especialista em política boliviana.

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O que significa a eleição de Arce para o Brasil?

A verdade é que deve ter uma tensão renovada entre o MAS e Jair Bolsonaro. São duas visões diferentes de política e de mundo que devem causar um aumento nas tensões. O presidente do Brasil estava ativamente encorajando pessoas a não votar no MAS. É provável que Arce não seja bem-vindo em Brasília, assim como Bolsonaro não é bem-vindo na Bolívia. A Bolívia é um parceiro importante de comércio para o Brasil, e o Brasil é uma ‘pedra no sapato’. Isso pode ser um problema num futuro breve.

Partidários de Luis Arce celebram resultado na Bolívia Foto: Aizar Raldes/AFP

O único país que vai sair bem dessa situação - e isso pode ser uma surpresa - é o Brasil. O País não está bem, mas a política econômica brasileira é mais atraente ao investimento estrangeiro, já que continua a abrir a economia, mesmo com as políticas nacionalistas e protecionistas de Bolsonaro. Maior parte da economia brasileira está aberta, enquanto Bolívia e Argentina tendem a adotar políticas protecionistas, o que perde atratividade de mercado. O Brasil tem mais chance de recuperação que Bolívia e Argentina.

Por que a direita boliviana não conseguiu ter sucesso mesmo depois da renúncia de Evo?

Perderam porque eram oito candidatos. Não se pode esperar triunfar contra uma força política coesa e unida tendo oito candidatos dividindo a posição. Não acho que eles perceberam o quão ridícula foi essa ideia de oito candidatos. O país ainda está muito dividido entre grupos ‘não-MAS'. O grupos de oposição ainda estão fragmentados.

Evo pode interferir no governo Arce?

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Evoé um líder histórico do MAS. Fundou o partido, comandou o MAS todos esses anos. Arce é o ex-ministro creditado pelo sucesso econômico quando a Bolívia conseguiu crescer em alto ritmo e conseguiu acumular reservas internacionais, criando a imagem de que era o governo de esquerda mais bem sucedido na região.

Arce disse que não é Evo Morales, que é uma pessoa independente. É uma fala política. A verdade é que Evo continua líder do MAS e voltará à Bolívia. E continuará como a grande figura do movimento e criará tensões com o presidente. E vai ser interessante. Ele será como a Cristina (Kirchner) para Fernandéz na Argentina? A volta de Evo pode levar a uma disputa política e isso pode aumentar tensões.

O que significa a vitória de Arce para o MAS?

Algo muito importante, para grupos que esperavam essa vitória. O projeto que foi posto em pausa no ano passado será renovado. O MAS é o único partido político que tem organização e base nacional na Bolívia - e continuará crescendo. O MAS, como projeto político, tem uma oportunidade para consolidar o modelo que desenvolveu no passado. Ou pode se tornar mais democrático. Talvez com Arce, essa vá ser a diferença. Em ambos os casos, o MAS continua sendo a principal força e o que acontecer será de acordo com o rumo que o MAS irá levar.

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É possível traçar qual será a política externa boliviana nos próximos tempos?

Acredito que os EUA não estão felizes com o que aconteceu com a Bolívia, ainda mais o governo Trump. O Brasil não está feliz e talvez (Sebastián) Piñera no Chile não esteja feliz. Mas há outros atores que estão olhando para o desenvolvimento boliviano. A Unasul, mecanismos de integração, talvez ganhe nova força. É uma ligação mais próxima com Cuba, uma relação próxima com Irã, China. E pode melhorar relações com Rússia, pensar mais globalmente. De fato, não é boa notícia para os EUA e Bolsonaro e terá reações diferentes pela União Europeia, dependendo do país. Havia boas relações entre Turquia e Evo, por exemplo. Essas relações devem ser renovadas. Será interessante ver.

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