Eleição de Evo Morales dá força a campanha pró-coca

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Por Agencia Estado
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Animados pela eleição do líder cocaleiro Evo Morales à Presidência da Bolívia, produtores de coca da região andina estão intensificando seus esforços para tentar descriminalizar internacionalmente o produto e permitir a exportação legal de produtos industrializados à base de coca. Coincidindo com os festejos pela posse de Morales, no domingo, cocaleiros e consumidores de coca de toda a região estarão reunidos em La Paz para uma ?feira internacional da coca?, com a exposição e venda de produtos diversos feitos a partir da planta. ?Queremos aproveitar a presença na Bolívia de mais de 800 meios de comunicação estrangeiros, cerca de 15 chefes de Estado e inúmeras organizações sociais para mostrar ao mundo que a folha de coca não é sinônimo de cocaína?, disse o deputado boliviano Dionício Nuñez, líder da Campanha Coca e Soberania, que organiza a feira. Nuñez, líder cocaleiro na região boliviana dos Yungas e membro do partido de Morales, o MAS (Movimento ao Socialismo), já esteve três vezes na Europa em busca de apoio para a campanha, lançada em 2002. Usos ancestrais A coca, arbusto cultivado no Peru, na Bolívia e na Colômbia, é a matéria-prima para a fabricação da cocaína, mas tem também usos ancestrais tradicionais pelas comunidades indígenas dos Andes. Nessa região, a coca é mascada ou consumida em forma de chá. O uso tradicional da coca é legalizado no Peru e na Bolívia, países que permitem também um cultivo limitado da planta para atender a esta demanda legal. A Convenção Única das Nações Unidas sobre Narcóticos, de 1961, reconhecia os usos tradicionais da coca, mas estabelecia um prazo de 25 anos para que os países produtores e consumidores eliminassem a prática. A Colômbia e o Peru são participantes da convenção. A Bolívia, apesar de ter aderido em 1976, nunca a ratificou. Um dos objetivos da campanha liderada por Nuñez, segundo o deputado, é a revisão da convenção da ONU para permitir o uso tradicional da coca e também o possível comércio internacional de produtos à base de coca. ?Neste momento, na Bolívia, no Peru e na Colômbia já há uma série de produtos industrializados feitos com coca?, afirma Nuñez. ?Na Colômbia, nenhuma planta é legal, mas há uma indústria de biscoitos, refrigerante e vinho de coca. No Peru, há uma série de produtos como alimentos, remédios e até papel feito da coca. Na Bolívia, a mesma coisa, mas são pequenas indústrias artesanais, porque não há auxílio do Estado?, diz. O deputado conta ter contabilizado até hoje cerca de 45 produtos legais a partir de folha de coca. ?Essa indústria já existe. Com apoio internacional e dos próprios Estados, a folha de coca poderia ser convertida em refrigerante, biscoitos, farinha, uma série de coisas?, diz. ?Agora, se eles terão um mercado internacional, ainda teremos de verificar. Mas em minha última visita à Europa, havia muito interesse em chá de coca, por exemplo.? Além dos produtos industrializados, Nuñez disse que existe um mercado potencial até mesmo para a exportação da folha em seu estado natural, já que ela também é consumida, apesar das restrições, por comunidades indígenas do norte da Argentina e do norte do Chile. ?Hoje 2,5 mil toneladas de coca saem anualmente para essas regiões por contrabando, mas é um comércio que poderia ser legalizado?, diz o deputado. Apoio europeu A campanha liderada por Nuñez já ganhou o apoio de um grupo de deputados no Parlamento Europeu. Em dezembro de 2004, o parlamento aprovou um relatório do deputado comunista italiano Giusto Catania, propondo a mudança da política européia sobre as drogas. A proposta recomenda à União Européia a investigação sobre os possíveis usos medicinais e alimentícios da coca, do ópio e da maconha. Ela não tem efeito vinculante, ou seja, não precisa necessariamente ser cumprida pela Comissão Européia, o braço executivo do bloco. ?O consumo da coca, além de ser legal em muitos países sul-americanos, é totalmente inofensivo para os seres humanos, mas infelizmente a planta foi colocada na lista de substâncias proibidas pela ONU?, diz o deputado francês Alain Lipietz, presidente da delegação do Parlamento Europeu para relações com os países da Comunidade Andina. Para Lipietz, é um ?paradoxo? o fato de um dos componentes do refino da cocaína, que é a coca, estar na lista de produtos proibidos, ?enquanto substâncias químicas que também são usadas na fabricação da droga serem perfeitamente legais?. ?A proibição foi uma tentativa de colocar o peso da responsabilidade do controle das drogas sobre os países produtores?, diz. O deputado francês considera que os países andinos poderiam ter ganhos econômicos com a possibilidade de comercializar produtos a base de coca. Além disso, segundo ele, isso daria à produção um uso legal, evitando que os produtores tenham como única opção vender seus excedentes para os laboratórios clandestinos de refino de cocaína. Um porta-voz do Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime disse que o chefe da agência, Antonio Maria Costa, espera se encontrar em breve com Evo Morales para esclarecer a posição do futuro governo boliviano sobre a questão da coca. ?É difícil para nós dizer muito neste estágio, porque têm havido muitos relatos contraditórios da mídia, mas devemos ter em mente que qualquer ação para legalizar a produção e o comércio de coca violariam as convenções da ONU e as leis internacionais?, disse o porta-voz, Richard Murphy. Componente alimentício Os produtores de coca nos países andinos argumentam que a base para a proibição, a presença do alcalóide cocaína nas folhas, ignora o fato de que este é apenas um dos componentes existentes na planta, e mesmo assim em quantidades muito pequenas. Um estudo realizado em 1965 no Peru indicava que em cada 100 gramas de folhas de coca há em média 0,83 grama de cocaína - menos de 1%. Segundo outro estudo feito em 1993 pelo Instituto de Nutrição de Lima, e citado na página da internet da Enaco, a companhia estatal peruana responsável pela comercialização legal da coca no país, cada 100 gramas de folhas de coca têm, por exemplo, 19,9 gramas de proteínas, 2 gramas de cálcio, 9,8 miligramas de ferro e 363 miligramas de fósforo. Os indígenas andinos argumentam que a coca, por isso, representa um importante componente da alimentação dos povos da região, onde existem grandes obstáculos para o cultivo de uma grande variedade de produtos, por conta da altitude e do clima frio. A principal meta da campanha liderada por Dionício Nuñez é convencer a comunidade internacional a descriminalizar a folha de coca até 2008, quando acontece uma sessão especial da Assembléia Geral da ONU para discutir a questão das drogas. Segundo ele, uma das prioridades do futuro governo boliviano será rever a Lei 1.008, adotada nos anos 1980 para controlar o narcotráfico e que previa, entre outras coisas, a limitação da área de cultivo de coca em 12 mil hectares - menos da metade da área atual de cultivo - e a erradicação forçada do excedente. Mas Nuñez acredita que a grande mudança deverá vir a partir da Assembléia Constituinte prevista para ser instalada em junho deste ano. ?Nossa proposta é que a nova Constituição reconheça a coca como patrimônio e recurso cultural dos povos andinos amazônicos?, explica o deputado. include $DOCUMENT_ROOT."/ext/selos/bbc.inc"; ?>

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