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Eleição mais importante em 30 anos ameaça o bipartidarismo na Espanha

Pela primeira vez desde a democratização conservadores e socialistas podem ficar sem maioria no Parlamento; surgimento dos partidos Podemos e Ciudadanos embaralha cenário da política espanhola

Por Andrei Netto e MADRI
Atualização:

Em 2011, ao ser eleito, o conservador Mariano Rajoy obteve a mais ampla vitória da história do Partido Popular (PP), com 44% dos votos. Hoje, pesquisas indicam que ele terá 29% do eleitorado. Abatidos pela crise econômica, pelo desemprego e pela corrupção, os espanhóis voltam às urnas e deixam para trás hoje o bipartidarismo que marcou o país nos últimos 30 anos.

Além dos conservadores do PP e dos socialistas do PSOE, dois outros partidos, um de esquerda radical, o Podemos, e um de centro-direita, o Ciudadanos, agora disputam o protagonismo. Ao que tudo indica, ambos devem ser decisivos para a escolha do próximo chefe de governo.

Premiê conservador Mariano Rajoy discursa durante campanha na cidade de Valência: disputa acirrada Foto: Gabrie Gallo / AFP

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Proibidas desde a segunda-feira pela lei eleitoral, as últimas pesquisas de opinião indicam uma diferença mínima entre o primeiro e o quarto colocado: Rajoy teria 25% dos votos, o socialista Pedro Sánchez 21%, o radical Pablo Iglesias 19% e o liberal Albert Rivera, dos Ciudadanos, 18%.

“Minha aposta é que o PP terá mais votos do que as pesquisas indicam, o que talvez lhe permita formar um governo de minoria”, arrisca Antonio Losada, cientista político da Universidade de Santiago de Compostela. “Mas a apuração pode variar muito, por muitos poucos votos”.

O cenário não é considerado imprevisível apenas por Losada, mas por todos os eleitores, cientistas políticos e sociólogos consultados pelo Estado. “São as eleições mais importantes em mais de 30 anos, desde a transição política de 1982”, diz o sociólogo Arturo Lahera Sánchez, professor da Universidad Complutense de Madrid, onde nasceu o Podemos. “São eleições cruciais que significam uma mudança no funcionamento dos partidos e do próprio sistema político, agora com novos atores capazes de ambicionar o poder.”

Desde 1982, quando o socialista Felipe González chegou ao Palácio de La Moncloa com 48% dos votos e uma sólida maioria de 202 deputados dos 350 assentos do Parlamento, candidatos do PP e do PSOE se alternaram no poder, sempre obtendo a maioria. Foram 33 anos de hegemonia, nos quais os dois partidos presidiram sete governos consecutivos, primeiro González, depois José María Aznar, José Luis Zapatero e Mariano Rajoy.

A história começou a mudar com a crise dos subprimes, os créditos imobiliários de alto risco que abalaram o sistema financeiro em 2008. Atingida em cheio, a economia da Espanha até hoje não se recuperou. Embora deva crescer 3,4% no ano – um dos maiores índices da Europa – o país ainda tem 21,18% da população ativa desempregada, um índice próximo a 50% entre jovens. Durante sete anos, famílias foram despejadas de suas casas por falta de pagamentos e uma geração de espanhóis está subempregada ou imigrou para Alemanha, Grã-Bretanha e França.

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A desilusão econômica foi o primeiro passo da crise dos partidos. Depois do fracasso de Zapatero, do PSOE, o governo de Rajoy foi marcado por escândalos de corrupção. Foi diante deste cenário que surgiram os partidos Podemos e Ciudadanos, ambos liderados por jovens carismáticos. 

“Esta eleição será a primeira vez em que PP e PSOE serão obrigados a negociar e a dialogar para formar um governo. Não havia essa cultura até aqui”, explica Manuel Cervera-Marzal, da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais. “É uma paisagem política de quatro partidos de pesos mais ou menos equivalentes que está nascendo. A questão é como esses movimentos vão evoluir nos próximos quatro anos para saber como se dará a consolidação do cenário político.”

Em uma campanha marcada pela crise, outro tema crucial para o futuro da Espanha também ganhou espaço: o separatismo da Catalunha. Para Lahera Sánchez, o enfraquecimento do bipartidarismo tem tudo para marcar outra transformação histórica hoje: riscar do Parlamento todos os partidos nacionalistas.

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