Eleição no Chile: Apatia marca uma disputa entre extremos

Desconfiança e descrença em dois candidatos considerados radicais devem aumentar o tradicional índice de abstenção na votação de domingo

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Por Thaís Ferraz
Atualização:

SANTIAGO - O esquerdista Gabriel Boric e o ultraconservador José Antonio Kast despertam paixões entre seus eleitores no Chile. Mesmo assim, uma parcela significativa da população acompanha a campanha presidencial de longe, desconfiada de propostas consideradas radicais ou descrente da possibilidade de mudanças no país.

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A alta abstenção é uma tradição no Chile desde 2012, quando houve uma mudança no sistema eleitoral – de inscrição voluntária e voto obrigatório a inscrição automática e voto voluntário. Se em 1989, por exemplo, 92,4% dos chilenos foram às urnas no primeiro turno da eleição presidencial, em 2013 a taxa de participação ficou em 49,3%. Nem mesmo os protestos de 2019 e o processo da nova Constituinte foram capazes de mudar o cenário. 

O aumento na participação no Plebiscito que decidiu sobre uma nova Constituinte – 50,98%, um recorde histórico – foi tímido e não se repetiu no primeiro turno das presidenciais, quando 47,3% dos inscritos saíram de casa para votar. Especialistas afirmam que a expectativa é que a tendência se mantenha estável no segundo turno. 

Apoiadores de Boric saem às ruas de Viña del Mar; pesquisas apontam disputa apertada no domingo Foto: Esteban Felix/AP

“Não votei no primeiro turno e não votarei no segundo porque os dois candidatos são ruins”, afirma a segurança Silvana Cancino, de Santiago, capital do Chile. “Boric é muito novo e creio que irá mudar de posição se vencer, como o fez Camila Vallejo quando entrou para a Câmara dos Deputados. São a mesma coisa”, afirma. “Kast diz uma coisa, depois volta atrás, como no caso dos direitos das mulheres. Não dá para confiar.”

Cancino sempre participou dos processo eleitorais e por muito tempo foi convocada como mesária. Nessas eleições, no entanto, ela não vê melhoras significativas no país. “Para nós, que somos trabalhadores, não importa muito o que acontecerá. No dia seguinte, estaremos trabalhando novamente. Nada mudará”, afirma.

A falta de alinhamento entre as propostas dos candidatos e os anseios da população são um dos motivos principais para a alta abstenção no Chile, afirma o analista político e fundador do site de informação eleitoral e análise política TresQuintos Kenneth Bunker. “Embora o problema seja estrutural, ele também tem muito a ver com os candidatos que disputam o segundo turno. Sabemos que quando os candidatos são muito agressivos em suas campanhas, quando há muita polarização, os argumentos não interessam muito às pessoas”, afirma. “Se não há proposições claras, as pessoas simplesmente não vão votar.”

Para ele, não é que as pessoas não se interessem pelo o que acontece na política, mas elas sentem que os partidos e candidatos em jogo não são capazes de satisfazer suas demandas. “No Chile, os partidos políticos não parecem ter as raízes na sociedade que uma vez tiveram. O eleitorado chileno é composto por pessoas moderadas, independentes, de centro, e não há nenhum partido político que encontre essa forma. Os dois candidatos que temos hoje vieram de extremos e propõem ideias que podem ser extremas para as pessoas, e nenhum partido político hoje se atreve a fazer uma campanha política de centro.”

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O direito ao voto é recente no Chile. Entre os anos de 1973 e 1990, o país esteve sob a ditadura de Augusto Pinochet. Durante esse período, houve a suspensão da vigência da Constituição de 1925 e o encerramento dos espaços político-eleitorais, o que incluiu o Decreto-Lei nº 130, que suspendia o processo de inscrições nos Registros Eleitorais chilenos. Os chilenos só voltaram às urnas em 1988, quando, em um plebiscito, derrubaram a continuidade do general como presidente.

Morador da Província de Marga-Marga, Fernando, que preferiu se identificar apenas pelo primeiro nome, participou ativamente da luta contra a ditadura e pelo direito ao voto. Em 1983, quando se iniciaram os protestos anti-Pinochet, ele era estudante em Valparaíso e foi às ruas com seu irmão. “Participamos em marchas, pichamos as paredes, fizemos barricadas. Cheguei a ser detido”, conta. “Lutei porque era uma ditadura muito repressiva, havia muito desemprego, desigualdade, assassinato, torturas. Não havia liberdade de expressão.”

Ele afirma sentir tristeza ao ver o alto índice de abstenção nas votações chilenas. “A ditadura eliminou uma educação cívica que existia antes e hoje falta, e as pessoas estão pensando de maneira muito individual, dentro de um modelo neoliberal que faz com que elas priorizem mais o econômico que o político”, diz. “É uma pena porque o direito ao voto, assim como a democracia, é fundamental em um país.”

Voto nulo

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Boric e Kast não atraem nem ao menos todos os eleitores que irão votar. De acordo com a pesquisa mais recente da AtlasIntel, realiada entre os dias 1 e 4 de decembro, 20% dos eleitores estão indecisos ou devem votar em branco ou nulo no segundo turno das eleições.

É o caso do economista e empreendedor Rodrigo Herzberg, de Santiago. Ele participa regularmente de todas as eleições desde 1989, com o fim da ditadura. Da mesma forma, votou no plebiscito de 2012 e na constituinte de 2021.

No primeiro turno, sua opção foi Sebastian Sichel, que considera um representante de fato de uma direita moderada, liberal e moderna. Agora, ele vai votar nulo porque considera que o país está numa situação em que só vai perder.

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“Se Kast vencer, a esquerda radical incitará protestos sociais, ele usará as forças armadas para reprimir e haverá muita violência dos dois lados. Se Boric vencer, os comunistas ortodoxos que representam quase metade de sua coalizão tentarão levar adiante as reformas mais radicais que estão em sua agenda, o que também trará enormes conflitos”, afirma.

Para ele, Boric é um revolucionário que está descobrindo que governar não é tão fácil, e apesar de ser um democrata, não tem conhecimento nem experiência. Kast, por outro lado, representa uma visão de mundo completamente anacrônica, segundo ele. 

Herzberg afirma que nada o fará mudar de ideia. “Felizmente, o Congresso está praticamente empatado. Isso significa que nenhum deles será capaz de realizar coisas radicais demais”, afirma. “Sinto que o desastre não será tão grande em nenhum dos casos. No melhor deles, veremos anos de grande estagnação. É uma pena.”

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