PUBLICIDADE

Eleição no Irã surpreende e vence único moderado na disputa

Hassan Rohani, vinculado a reformistas, obteve 50,86% dos votos

Atualização:

Teerã - O moderado Hassan Rohani, apoiado pelos reformistas, obteve 50,68% dos votos e será o sucessor de Mahmoud Ahmadinejad na presidência do Irã, anunciou ontem o ministro do Interior, Mostafa Mohammad Najjar. Rohani era o único na disputa que não fazia parte do campo conservador, vinculado ao líder supremo, Ali Khamenei, e obteve vantagem suficiente para encerrar as eleições já no primeiro turno. O resultado surpreendeu iranianos e observadores estrangeiros. A vitória folgada demosntra que grande parte dos iranianos está insatisfeita com os rumos que o líder supremo e seus aliados têm imposto ao Irã. Além disso, ela aponta que os reformistas – esmagados na onda de protestos de 2009 – ainda mantêm forte influência no país persa. O triunfo de Rohani, entretanto, não significará mudanças bruscas em temas estratégicos como o polêmico programa nuclear de Teerã ou a política econômica, decididos por Khamenei. O segundo colocado foi o prefeito de Teerã, o conservador Mohammad Baqer Qalibaf, mas ele recebeu menos de um terço dos votos de Rohani. Depois, veio o ultraconservador Saeed Jalili, com cerca de 10%. A Justiça eleitoral disse que o comparecimento na votação de sexta-feira foi de 80%. Ex-negociador nuclear, Rohani criticou ao longo da campanha o isolamento do Irã provocado pela retórica radical de líderes como Ahmadinejad e defendeu "uma relação construtiva com o mundo". Ele também bateu de frente com os conservadores em temas como os direitos das mulheres, prometendo criar um ministério para promover igualdade de oportunidades de trabalho. "Tenho dificuldades em imaginar o sistema da república islâmica convivendo com um presidente Rohani. Como ele é apoiado pelos reformistas e centristas, trata-se de uma figura que em nada agrada ao líder supremo", disse ao Estado Ali Vaez, analista de Irã no centro Crisis Group. "A oposição perdeu a rede de poder que tinha até 2009, alguns de seus líderes estão em prisão domiciliar e seus jornais acabaram fechados." Divisões. A república islâmica criada tem uma estrutura híbrida de poder, com duas fontes distintas de autoridade: o voto e o Islã. O presidente é escolhido nas urnas, assim como o Parlamento, mas o guardião da ordem – e responsável pelas decisões-chave do Estado – é o líder supremo, apoiado em um colegiado de clérigos. O quanto o Rohani poderá influenciar nas negociações nucleares é tema de debate entre especialistas. Vaez afirma que o impacto do presidente no diálogo diplomático "será mínimo, porém não insignificante". Ele afirma que o chefe eleito do Executivo consegue interferir na definição da agenda do governo, mas o conteúdo das políticas está além de seu raio de alcance, especialmente em questões estratégicas como o dossiê nuclear. "Se olharmos a história iraniana, veremos que as decisões importantes sempre foram tomadas pelo líder supremo." No entanto, outros especialistas consideram que o presidente tem, sim, papel determinante na política nuclear e no rumo das negociações. Mohsen Milani, da Universidade do Sul da Flórida, argumenta que a eleição de um novo chefe do Executivo altera a composição do Conselho Supremo de Segurança Nacional, o colegiado que delibera e sugere ao Khamenei linhas de ação em temas-chave. "A chegada de um presidente ao poder, com todo seu gabinete, altera, ainda que não seja de modo decisivo, a composição do conselho e isso tem impactos importantes na forma e no conteúdo das decisões", afirmou Milani ao Estado. "E é bom não esquecer: o líder supremo é de fato a autoridade mais importante da república islâmica; mas o presidente é a segunda mais importante." Segundo ele, Khamenei enviou nos últimos meses sinais de que está mais aberto a um compromisso com as potências sobre o programa atômico, ao reconhecer que as sanções estão minando a economia iraniana. Milani acredita que, com Rohani na presidência, o líder supremo poderá colocar parte da responsabilidade de um eventual compromisso internacional sobre os ombros do clérigo moderado. Os dois analistas iranianos chamam atenção para a tendência de que o próximo presidente entre em rota de colisão com Khamenei – e isso vai além da figura de Rohani. A divisão entre o temporal e o religioso nas instituições da república islâmica cria uma tensão permanente entre o líder supremo e o eleito o poder Executivo. Essa rivalidade marcou os últimos três governos: de Akbar Hashemi Rafsanjani, Mohammad Khatami e Ahmadinejad. O presidente que está de saída, de protegido de Khamenei, tornou-se ao final um pária dentro do sistema iraniano. COLABOROU ROBERTO SIMON  

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.