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Eleição põe fim ao bipartidarismo histórico na França

Partido Socialista teve pior resultado de sua existência, enquanto que o Republicano ficou fora do segundo turno pela primeira vez

Por Andrei Netto , Correspondente e Paris
Atualização:

A disputa entre Emmanuel Macron e Marine Le Pen no segundo turno das eleições presidenciais, no dia 7, representa um choque histórico na vida partidária da França. Pela primeira vez desde 1981, socialistas e republicanos, que se alternaram no Palácio do Eliseu construindo um bipartidarismo de facto no país, foram eliminados e terão de reconstruir suas bases eleitorais a partir de seus resultados mais baixos. 

Imagens dos dois candidatos Emmanuel Macron (E) e Marine Le Pen; eles disputarão 2º turno Foto: Eric FEFERBERG AND JOEL SAGET / AFP

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Já os vencedores pediram apoio para continuar a virar a página do “sistema”. 

A depuração da vida política francesa de líderes e de siglas históricas teve início ainda nas eleições primárias do partido Republicanos, processo que resultou em novembro de 2016 na eliminação do ex-presidente Nicolas Sarkozy e do ex-premiê Alain Juppé frente ao conservador católico François Fillon. Em dezembro, o atual presidente, o socialista François Hollande, reconheceu sua incapacidade de se candidatar à reeleição diante da resistência interna no Partido Socialista (PS) e seu grau de impopularidade. Um mês e meio depois, nas prévias do PS, foi a vez do ex-premiê Manuel Valls ser derrotado por Benoit Hamon.

Na noite de ontem, o processo de purgo levado a cabo pelos eleitores avançou, quando duas legendas fora do sistema partidário histórico acabaram arrebatando os dois primeiros lugares. En Marche! (Em Movimento!), partido criado há um ano por Macron com base em técnicas de campanha desenvolvidas pelo Partido Democrata americano sob o comando de Barack Obama, levou seu fundador à vitória parcial. “Quero desde já construir uma maioria de governo e de transformação, com caras novas, com novos talentos”, reiterou ontem, dirigindo-se a seus militantes. “Vocês são o rosto da renovação.”

Na prática, a eleição de 2017 recria na vida política da França um partido de centro independente, rompendo com a lógica bipartidária que vigorava desde que Valéry Giscard D’Estaing venceu as eleições presidenciais de 1974. Outra lição do primeiro turno, segundo analistas políticos, é a consolidação dos populismos. Embora de naturezas diferentes – extrema direita e esquerda radical –, dois candidatos que assumem suas plataformas populistas, Le Pen e Jean-Luc Mélenchon, reuniram mais de 40% dos votos. Em comum, ambos os partidos rejeitam o discurso liberal e são críticos ferozes da União Europeia e da zona do euro.

“Estamos diante da fratura do país em quatro grandes blocos quase equivalentes e de duas Franças diferentes, uma bem-sucedida, pró-globalização, e outra popular, que se preocupa com a imigração e o terrorismo”, diz Brice Tenturier, cientista político e diretor de pesquisas do instituto Ipsos.

Para os dois partidos históricos, a reconstrução já começa com vistas as eleições legislativas de junho. “Fracassei em evitar o desastre que se anunciava havia vários meses. Assumo totalmente a responsabilidade”, afirmou Benoit Hamon, candidato que definiu o resultado do PS como “uma derrota moral para a esquerda”. “A esquerda não está morta. Sei que vocês não esperam uma recomposição do aparelho ou arranjos do velho mundo politiqueiro”, frisou o socialista, que terminou com uma mensagem de esperança. “Esta noite é dolorosa, mas amanhã ela será fecunda.”

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À direita, François Fillon – abalado por escândalos de corrupção – assumiu a inteira responsabilidade pela derrota, mas não reconheceu a derrota espetacular do partido Republicanos. Coube a Rachida Dati, ex-ministra da Justiça e eurodeputada advertir para a terra arrasada no partido, até janeiro considerado um dos favoritos. “Penso em todos os eleitores de direita que fizeram campanha contra uma adversidade tenaz e digo: que desperdício!”, afirmou. “Esta é uma derrota moral e histórica para a direita.”

Apesar da virada histórica na vida política da França, líderes da União Europeia manifestaram satisfação com o resultado do primeiro turno. Em Bruxelas, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, felicitou Macron e lhe desejou boa sorte no segundo turno. Na Alemanha, a liderança de Macron, o único candidato que ergueu a bandeira da UE na campanha, também provocou alívio.

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