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Eleição revela uma divisão ainda mais profunda entre a América vermelha e azul

Disputa entre Donald Trump e Joe Biden apresentou grande polarização entre condados urbanos e rurais

Por Philip Rucker e Robert Costa
Atualização:

WASHINGTON – Quando Donald Trump venceu por uma estreita margem em Wisconsin em 2016 e conquistou a presidência, ele foi vitorioso em 23 condados que antes haviam votado no presidente Barack Obama. Mas quando a projeção, este ano, era de que Joe Biden colocaria Wisconsin na coluna democrática, ele estava a caminho de vencer em apenas dois deles: Door e Sauk.

Biden não só conquistou mais condados de Trump do que Obama como ultrapassou as margens anteriores de vitória dos democratas em duas grandes cidades de Wisconsin, Milwaukee e Madison.

Apoiadores de Trump e Biden discutem nas ruas de Detroit, em Michigan Foto: Seth Herald/AFP

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Um padrão que se estendeu para Michigan e outros Estados considerados decisivos, com Biden consolidando o domínio dos democratas nas jurisdições urbana e suburbana, mas Trump mantendo grande parte da América rural e não urbana toda em vermelho.

A divisão entre o rural e o urbano ilustra a notável polarização que já era evidente nos resultados preliminares da eleição. Essa divisão realça os desacordos fundamentais entre os americanos sobre como controlar a pandemia do novo coronavírus, ou mesmo tentar; como requalificar a economia e recuperar os empregos; como combater a mudança climática ou se ela é realmente uma emergência; e os papéis da moralidade, da empatia e da lei no corpo político.

Biden está a caminho de vencer confortavelmente o voto popular e mesmo que consiga uma maioria no colégio eleitoral para se tornar o 46º presidente do país, ele irá comandar um país extremamente dividido, não tendo conseguido vencer o repúdio estridente de Trump que muitos estrategistas políticos acham que era necessário para apagar os incêndios políticos que ele tem provocado.

Na verdade, os republicanos que cederam sua identidade como partido político para Trump parecem ter tido a aprovação de alguns eleitores. O GOP deve manter sua magra maioria no Senado e ganhar assentos na Câmara, deixando os democratas com uma maioria mais estreita, o que coloca o país potencialmente a caminho de um período de guerra partidária arraigada, mesmo golpeado por crises.

"Esta é uma democracia em pleno funcionamento, mas claramente muito dividida”, afirmou Jim Doyle, ex-governador democrata de Wisconsin. “Estamos claramente divididos por cidade e zona rural, estamos divididos pela raça. Basta ver o mapa de Wisconsin. E não podemos apenas demonizar um ao outro. Este é um problema de liderança que já vinha se formando há algum tempo”.

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Se o candidato democrata vencer, “Joe Biden terá de crescer e chegar à altura de um Roosevelt, como diria um democrata, ou um Reagan, como falaria um republicano. Metade do país não é formado por pessoas horríveis, racistas, mal-intencionadas diferentes dos demais. Não pode ser. E metade do país votou em Trump”.

Biden, na quarta-feira, reconheceu os desafios que têm à frente. “Será a ocasião para fazermos o que sempre fizemos, como americanos, deixarmos para trás a retórica áspera da campanha, baixar a temperatura, nos reunirmos novamente, de nos respeitarmos e nos preocuparmos com o outro, de união, de cura, de nos reunirmos como uma nação”, disse ele na quarta-feira falando de sua casa em Wilmington, Delaware.

“Sei que não será fácil. Sei o quão profundas e duras são as opiniões opostas em nosso país sobre muitas coisas. Mas sei muito bem que, para progredirmos, temos de parar de tratar nossos oponentes como inimigos. Não somos inimigos. O que nos une como americanos é muito mais forte do que qualquer coisa que possa nos separar”.

Alguns democratas acreditavam que a pandemia e a recessão econômica tirariam alguns eleitores dos seus silos partidários, mas este não foi o caso, uma vez que Biden manteve uma liderança estreita em vários Estados considerados decisivos e também perdeu terreno na Flórida em comparação com o desempenho de Hillary Clinton contra Trump na eleição de 2016.

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“Estas divisões são profundas, mas em parte refletem as escolhas políticas feitas durante um longo período de tempo”, afirmou William Galston, chairman do Governance Studies Program da Brookings Institution. “Temos o poder para transformar esse círculo vicioso em algo mais virtuoso”.

Segundo Galston, Trump se beneficiou desse “foco implacável” dele e do seu governo durante seus quatro anos de presidência nos eleitores da zona rural e não urbana "deixando claro que o presidente compreendeu que seus interesses eram separados dos interesses de outras partes do país. Não houve um dia de retórica de unificação nos quatros anos passados. E Biden foi incapaz de superar isto”.

Cornell Beltcher pesquisador democrata, atribui a divisão a forças mais sinistras. “Vamos deixar de fingir que é uma inquietação econômica. Não, essa sensação desagradável tem a ver mais com tribalismo. Muitos dos Estados onde a disputa é mais acalorada estão no marco zero das mudanças que vêm ocorrendo nos EUA: Flórida, Geórgia, Carolina do Norte, Texas, Arizona, Nevada, Pensilvânia, Michigan. Onde esta batalha é mais intensa é onde a diversidade é maior”.

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Os resultados iniciais expuseram os limites da atração de Trump e o custo político para um partido que se deixou engolir por ele. Esse processo começou quando Trump empolgou muitos republicanos brancos ao contestar a legitimidade do primeiro presidente negro com uma mentira sobre seu local de nascimento e culminou há quatro anos ao derrotar Hillary Clinton.

O governo de Trump, apesar de infestado de escândalos e animado por seus próprios instintos e brigas, parecia prenunciar um renascimento republicano. O partido lotou o Judiciário de conservadores, incluindo três juízes na Suprema Corte, reverteu regulamentos ambientais e outros que restringiam a indústria e cortou impostos para os ricos e as empresas.

Mas agora há uma falta de clareza quanto ao que significa ser republicano. O partido não tem uma agenda acordada além de apoiar Trump. A plataforma oficial do partido em 2020 se resumiu a uma curta resolução que atacava a mídia e era só elogios ao presidente.

Alguns republicanos da velha guarda já disseram que a polarização da política por Trump tornará mais difícil para o partido formar uma maioria nacional nos ciclos eleitorais de 2022 e 2024. “O Partido Republicano está indo contra a demografia – é um píton que vem lentamente encolhendo até morrer”, afirmou o estrategista do GOP Mike Murphy, um crítico de Trump. “Não há brancos suficientes para sobreviver”.

Afastar o partido dos seus demônios é um problema sem uma solução evidente ou um líder que consiga erradicá-los. Mesmo que Trump seja derrotado, ele continuará incrustado na psique republicana e sendo uma estrela guia dos principais ativistas do GOP?

Mas se Biden vencer, ele vai deparar com uma realidade desafiadora no Capitólio. As esperanças dos democratas de um governo unido foram frustradas na noite de terça-feira quando os republicanos estavam a caminho de manter sua estreita maioria no Senado, com vários candidatos democratas não conseguindo derrotar vários titulares vulneráveis do GOP. Na Câmara, os republicanos devem registrar ganhos consideráveis, o que reduzirá o tamanho do caucus democrata e debilitará a influência da presidente da Câmara, a deputada Nancy Pelosi.

Se Biden se tornar presidente, os democratas sabem que o GOP irá se opor a grande parte da agenda legislativa e nomeações feitas por eles, como ocorreu durante a presidência de Barack Obama. “A história não se repete, mas rima”, disse o senador democrata de Connecticut Richard Blumenthal.

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O líder da maioria no Senado, o republicano Mitch McConnell, reeleito agora, está pronto para renovar o papel que teve de travar as iniciativas democratas durante os anos de Barack Obama. “O Kentucky quer mais medidas políticas que constroem a melhor economia na história moderna do nosso país – não o socialismo”, disse ele em seu discurso de vitória na noite de terça-feira, dando a entender como os republicanos estão dispostos a apresentar os democratas como políticos radicais.

Entre os que entraram para as fileiras do GOP na Câmara estão vários acólitos de Trump, como Tommy Tuberville, senador eleito por Alabama, um fervoroso defensor do presidente que, na terça-feira, disse a seus críticos: “vão para o inferno e consigam um trabalho”.

E outros republicanos eleitos também têm esse espírito beligerante. Madison Cawthorn, que conquistou um assento na Câmara, na Carolina do Norte, que tem 25 anos de idade e deverá ser o membro mais novo do Congresso, disse no seu Twitter na terça-feira: “chorem mais, liberais”.

Blumenthal disse que ele e seus colegas democratas estão otimistas que uma mudança na Casa Branca, mesmo que Trump continue uma força ruidosa do GOP, permita que mais republicanos do centro trabalhem com os democratas em assuntos como socorro econômico e gastos em infraestrutura.

“Remover o elemento tóxico de Trump pode mudar as coisas”, disse ele. “Sei que parece uma esperança ingênua, mas a imprevisibilidade vil e tóxica de Trump tornou os compromissos difíceis e talvez, apenas talvez, se for afastado do grupo se consiga acrescentar alguma noção de racionalidade e sensatez a alguns republicanos”.

Mas os democratas acautelam que McConnell pode não se dispor a algum acordo bipartidário já que o foco é obter ganhos para seu partido nas eleições de meio de mandato em 2022. “Os republicanos provavelmente redescobrirão seu amor pela disciplina fiscal depois que o presidente passou quatro anos fazendo política para suas bases”, disse Matt House, ex-assessor do senador Chuck Schumer, democrata de Nova York. “É difícil ver algo mais do que mudanças de tom para conquistar apoio das mulheres suburbanas. E é difícil ver, taticamente e em termos de substância, como não continuarão agindo para agradar suas bases”. / TRADUÇÃO POR TEREZINHA MARTINO

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