Eleições sob estado de emergência são uma farsa

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Por Benazir Bhutto
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Durante todo o período do império soviético, o Politburo realizava as chamadas "eleições". Chamar uma coisa de eleição e realizar uma eleição de fato são coisas obviamente diferentes. Sob prisão domiciliar em Lahore, barricada em casa por policiais paquistaneses armados com baionetas, apesar do anúncio do general Pervez Musharraf de uma data para eleições parlamentares em janeiro, duvido que estejamos no rumo de uma mudança. Eu adverti o general no começo do ano de que sua eleição presidencial pelo atual Parlamento era ilegal. Ele insistiu que não. Nós concordamos em discordar e ficou decidido que ambos aceitaríamos a decisão da Suprema Corte sobre a questão de sua elegibilidade. Entretanto, quando a Suprema Corte estava prestes a chegar a uma decisão, o general Musharraf impôs a lei marcial, suspendendo a Constituição e detendo os juízes. Hoje, a nação está pagando pelo seu erro. Estamos testemunhando uma farsa no Paquistão: embora tenha sido anunciado um cronograma eleitoral, o problema está no que não foi anunciado. Nenhuma indicação foi dada de que o general Musharraf manterá seu compromisso de deixar a chefia do Exército antes de assumir o novo mandato. Nenhuma data foi marcada para o levantamento do estado de emergência; para a reconstituição da Comissão Eleitoral; para a aplicação de práticas eleitorais limpas; para a destituição de funcionários tendenciosos; ou para a suspensão dos prefeitos que controlam as armas e os recursos - isto é, recursos policiais e governamentais - para influenciar adversamente as eleições. Além disso, juízes, advogados, ativistas de direitos humanos e estudantes estão na prisão ou sob prisão domiciliar. A mídia independente tem sido fechada, tevês pararam de transmitir notícias. Jornalistas estrangeiros foram expulsos. Literalmente, milhares de ativistas políticos partidários - a maioria do Partido Popular do Paquistão - foram presos. A polícia levantou barricadas e espalhou veículos blindados e caminhões cheios de areia para cortar o acesso à minha casa e de uma cidade a outra. O general Pervez Musharraf sabe como reprimir as forças pró-democracia. Mas ele não se propõe ou é incapaz de descobrir e prender Osama bin Laden, ou conter os extremistas islâmicos. Essa é a realidade do Paquistão em novembro de 2007. O único terror que o regime do general Musharraf parece capaz de enfrentar é de sua própria ilegitimidade. Este é o segundo estado de emergência que o presidente Musharraf impõe e a segunda destituição de juízes que ele ordena desde que assumiu o poder num golpe militar em 1999, quando prometeu "trazer uma verdadeira democracia". A Comissão Eleitoral divulgou listas eleitorais consideradas ilegítimas pela Suprema Corte do Paquistão e pelo Instituto Democrático Nacional para Assuntos Internacionais. Algumas seções eleitorais foram mantidas secretas. A oposição política está proibida de fazer campanha e de organizar-se e tem seu acesso negado à mídia estatal. Não podemos nos reunir, não podemos fazer comícios, e quando tentamos trazer as pessoas para as ruas, elas são recebidas com gás lacrimogêneo, agressões e tiros com balas de borracha. Isso não é apenas uma ditadura militar, é um Estado policial clássico. Além de uma onda de ataques ao império da lei, o general agora emendou unilateralmente a Lei do Exército de 1952 para assegurar ao Exército o poder de julgar civis em tribunais militares. Cortes marciais operam por regras militares em segredo, e os acusados não têm direito a uma representação legal. Nenhuma tentativa foi feita para diferenciar suspeitos de terrorismo relacionados com grupos militantes do público em geral. Muitos acreditam que essas leis foram aprovadas para intimidar as forças pró-democracia e não para julgar suspeitos de terrorismo. Essa é a "democracia" que o general Musharraf descortina. Enquanto vivia nos EUA no início da década de 70, quando estudei em Harvard, vi pessoalmente o poder espantoso, quase milagroso, de um povo para mudar a política. E agora estou vendo novamente o poder do povo se aglutinar. Jornalistas, juízes, ativistas políticos e civis se uniram contra a segunda lei marcial do general Musharraf. Eles agora o consideram um obstáculo à democratização do Paquistão. É por essa razão que instiguei Musharraf a deixar tanto o cargo de presidente como o de comandante do Estado-Maior do Exército, e aplainar o caminho para a formação de um governo provisório de consenso nacional, que supervisionará a transferência de poder para representantes do povo devidamente eleitos. O povo da União Soviética sabia que as chamadas eleições para o Politburo eram uma fraude. O povo do Paquistão sabe que as chamadas eleições sob lei marcial são uma farsa. TRADUÇÃO DE CELSO MAURO PACIORNIK *Benazir Bhutto, por duas vezes premiê do Paquistão, lidera o Partido Popular do Paquistão. Ela escreveu esse artigo para ?Global ViewPoint?

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