Em aposta polêmica, Áustria começa a criminalizar cidadãos resistentes às vacinas

Lei prevê multas de até 3,6 mil euros (aproximadamente R$ 21.300) para não imunizados

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Por Jonathan Tirone e Bloomberg
Atualização:

VIENA - A Áustria embarca num dramático experimento de saúde pública a partir desta terça-feira, 1, aplicando uma controvertida nova legislação que torna as vacinas contra a covid-19 obrigatórias para todos os cidadãos do país. 

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Vários Estados europeus estigmatizaram pessoas que rejeitam as vacinas, mas o governo do chanceler Karl Nehammer está indo além e começará a criminalizar os resistentes. 

A polícia começará a checar o status de vacinação das pessoas nos espaços públicos e durante blitze de trânsito. A partir da metade de março, infratores que não tenham se vacinado encararão multas que podem chegar a até 3,6 mil euros (aproximadamente R$ 21.300). A lei, que recebeu um número recorde de comentários públicos antes de ser aprovada, valerá até 2024 e tem catalisado um extenso rastro de manifestações.

Áustria vai aplicar multas de até 3,6 mil euros a não imunizados Foto: Akos Stiller/Bloomberg

Analistas políticos e de saúde pública sugerem que essa manobra é repleta de risco. Com legisladores de oposição rebelando-se e dezenas de milhares de manifestantes tomando as ruas de Viena regularmente, Nehammer —há menos de dois meses no cargo — está diante de um teste enorme. 

Mas para os governos europeus, que estão começando a suspender rapidamente restrições relativas à covid, vacinar o máximo possível de pessoas é visto como um elemento crucial para o retorno à normalidade. A Dinamarca, que apresenta um dos índices de vacinação mais elevados do mundo, reclassificou a covid e deixou de considerar a doença uma ameaça para a sociedade. 

O anúncio inicial da Áustria a respeito da obrigatoriedade, juntamente com a vacinação das crianças, levou a um salto nas inoculações em novembro, mas desde então esse ritmo voltou a diminuir. Cerca de 76% da população do país está completamente vacinada, de acordo com o rastreador da Bloomberg, um índice acima da média da UE, mas abaixo de líderes no ranking como Portugal, Espanha e França. 

Enquanto alguns países tornaram obrigatória a inoculação para trabalhadores de saúde e a Alemanha debate uma obrigatoriedade ampla, nenhum país foi tão longe quanto a Áustria. Nos EUA, a Suprema Corte rejeitou recentemente uma obrigatoriedade federal, apesar de muitas empresas imporem seus próprios requerimentos. 

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A polêmica política da Áustria coloca o país no centro de uma controvérsia global que tem se incendiado de maneiras surpreendentes. Episódios recentes variaram entre a deportação da Austrália do astro do tênis Novak Djokovic e músicos retirando suas obras do Spotify em razão de preocupações a respeito de desinformação em podcasts.

A mudança de direção para a vigilância policial tanto sublinha a gravidade da atual pandemia quanto expõe a vulnerabilidade do governista Partido Popular Austríaco, de acordo com o analista político Marcus How, da VE Insight.

“O Partido Popular não está endurecendo a obrigatoriedade da vacina a partir de uma posição de força”, afirmou How. “Pesquisas indicam que a opinião pública está oscilando, incluindo na centro-esquerda, com uma estreita maioria revelando que ou não apoia a obrigatoriedade ou acredita que sua implementação deveria ser adiada.” 

Mais de 100 mil austríacos registraram sua oposição, com alguns advogados argumentando que a obrigatoriedade poderia violar direitos fundamentais. Para Nehammer, um ex-oficial do exército de 49 anos, que em 6 de dezembro se tornou o terceiro chanceler austríaco em três meses, o que pode ter parecido uma oportunidade de mostrar credenciais de homem-forte torna-se um teste inicial para sua posição. 

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“Considero-me um construtor de pontes”, disse ele em entrevista à revista Profil, de Viena, na semana passada. 

Ao mesmo tempo que a Áustria começa a penalizar pessoas resistentes às vacinas, o país também começará a abrandar outras restrições — permitindo que casas noturnas fiquem abertas até tarde e eliminando progressivamente a exigência de apresentação de certificados de vacinação em estabelecimentos comerciais. O governo também está introduzindo loterias que premiam pessoas que se vacinaram. 

Determinar se as medidas terão sucesso em reconstruir a confiança levará tempo, de acordo com Maria Hofmarcher-Holzhacker, uma economista da saúde que escreveu um livro a respeito da história da saúde pública na Áustria. A batalha austríaca contra a covid foi dominada, em certas ocasiões, por tensões entre a posição dura do governo e a oposição de poderosos líderes regionais. E foi também acometida de mensagens contraditórias. 

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“A legislação está compensando essa falha”, afirmou ela. “Não estou certa se isso é algo para outros países replicarem.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL