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Artigo: Em Davos, um presidente normal

Podemos nos divertir com o circo diário de Trump, mas devemos nos sentir encorajados com o republicano convencional

Por Fareed Zakaria
Atualização:

Desde que Donald Trump foi eleito, eu disse que quando ele fizesse alguma coisa certa, eu falaria. Na sexta-feira, no Fórum Econômico Mundial, ele apresentou um bom discurso que foi direto, inteligente e conciliador, acolhendo o mundo em vez de censurá-lo. Foi extremamente bem recebido tanto por líderes empresariais americanos quanto por participantes de outros países.

Se o discurso representar um novo enfoque do presidente, será um grande passo à frente. Mas, é claro, o problema com Trump é que, amanhã de manhã, ele pode mudar para uma direção completamente diferente.

Trumpdisse que não gosta de falar sobre o movimento do dólar "porque, honestamente, ninguém devia falar sobre isso". Foto: AP Photo/Markus Schreiber

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A presidência de Trump está sendo composta por três partes. Trump I é o circo – os tuítes, as afirmações bizarras, o reality show no estilo televisivo. Trump II é o populismo obscuro e os ataques às minorias, à imprensa e ao Judiciário. Trump III é o presidente republicano convencional, seguindo uma agenda bastante padronizada no partido – reduções de impostos e uma política externa linha-dura.

Podemos nos divertir com o circo, mas devemos nos sentir encorajados com o republicano. Sua pressão pela desregulamentação poderia ser uma importante reforma de um Estado administrativo que se tornou oneroso e exageradamente complexo. Mas seja como for, Trump, o republicano convencional, está trabalhando dentro do sistema americano, em vez de tentar destruí-lo.

É possível que o peso da presidência e os desafios do trabalho tenham empurrado Trump para um caminho mais sóbrio e responsável. Mas também é possível que ele tenha decidido, por enquanto, concordar com seus conselheiros moderados. Ele muitas vezes parece ser um composto instável de Trumps I, II e III, em um único dia, tuitando absurdos juvenis, atacando instituições democráticas, mas também promovendo uma política sensata. Mesmo em Davos, ele não deixou de atacar os meios de comunicação e proferir falsas ou enganosas reivindicações.

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O humor deste ano em Davos estava otimista. O mundo está vivenciando um crescimento global sincronizado, algo muito raro. A economia americana está em grande atividade e a Europa passa por uma sólida recuperação. Os mercados refletem isso. Eles estão quase todos em alta ao mesmo tempo – ações, títulos, imóveis, petróleo.

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Mas, sob este bom ânimo, há uma inquietação. Em parte, porque as pessoas lembram do estado de espírito otimista que havia pouco antes de a recessão global chegar. Mas também há intranquilidade com o fato de que, embora as economias globais pareçam razoavelmente estáveis, a política global está em tumulto. A antiga ordem mundial criada e liderada pelos EUA está se desgastando, e novas grandes potências estão entrando em cena. Como ficará o mundo quando China, Rússia, Turquia e Índia tiverem muito mais peso nos assuntos globais?

Neste contexto, o papel, a capacidade e as intenções dos EUA e de seu presidente tornam-se centrais. Se Trump e seu governo parecem não comprometidos com o sistema internacional, o risco é maior do que teria sido no passado. Se ele parece hostil ao mundo, indiferente aos valores democráticos, é especialmente perigoso.

Então, todos dão um suspiro de alívio, quando Trump se comporta melhor. Não procuro um Trump normalizado. Mas creio que, tendo em vista o que está em jogo, os EUA e o mundo estão melhores nestes momentos, quando ele se comporta mais como um presidente normal. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO É COLUNISTA

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