Em debate: Os prós e os contras de adoções internacionais

Especialistas e pais de crianças adotivas vindas da Etiópia falam de suas experiências e discutem questões éticas envolvidas.

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Por Hewete Haileselassie
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Adoções internacionais são hoje um grande negócio na Etiópia, país africano que responde por um quinto de todas as adoções internacionais nos Estados Unidos. Pais e filhos adotivos, além de profissionais envolvidos, compartilharam com a BBC suas experiências e preocupações em relação a algumas questões: É ético retirar uma criança de sua cultura para que seja educada em um país estrangeiro? E é ético que o processo de adoção se torne uma fonte de lucro? O Filho Retorna Em abril de 2007, 25 anos após deixar a Etiópia, Matthews Teshome decidiu retornar dos Estados Unidos para viver definitivamente na sua terra natal. Ele deixou muito para trás. Por exemplo, uma carreira bem sucedida em computação. Mas suas razões eram simples: "Há muito trabalho para ser feito", disse Teshome na época. Logo após chegar a Adis-Abeba, a capital etíope, ele conheceu um menino que lustrava sapatos e prestava pequenos serviços nas imediações do hotel em que estava hospedado. Zeberga, na época com 13 anos, usava o pouco dinheiro que ganhava para pagar por sua alimentação e vestimentas, pagar aluguel a seu tio, pagar por seus estudos na escola noturna e ainda enviar dinheiro para sua mãe no interior da Etiópia. "Eu estava no país para ajudar", lembra Teshome. "Então, se eu não fosse capaz de ajudar esse menino, não estaria fazendo muita coisa." Teshome estava decidido a ver Zeberga de volta à escola em regime integral. Após prometer que continuaria a fazer os pagamentos mensais de US$ 3 para a família, ele recebeu permissão do tio e da mãe de Zeberga para sustentar o menino. Meses depois, o menino estava morando com Teshome, que contratou um advogado para cuidar do processo de adoção não apenas de Zeberga, mas também de sua irmã mais nova, que trabalhava como empregada doméstica na capital. Fascinados pela Etiópia Enquanto isso, também em abril de 2007, a 13 mil km de distância, em Denver, nos Estados Unidos, Bridget Shaughnessy dava à luz a menina Elia. Por causa de complicações na gravidez, Shaughnessy e seu marido foram aconselhados a considerar a adoção se quisessem dar um irmão à menina. Atraído pela cultura e história da Etiópia, o casal entrou em contato com uma agência especializada em adoções internacionais. Assim, iniciou-se um processo que durou três anos e resultou na chegada do menino Teshale para viver com a família Shaughnessy em Denver. Processos de adoção tendem a ser complicados. No caso de Matthews Teshome, do menino Zeberga e de sua irmã, o maior obstáculo foi o fato de que o candidato a pai adotivo era um homem solteiro sem filhos biológicos. No entanto, uma vez que as autoridades se convenceram de que suas motivações e seu caráter eram bons, o processo ficou mais simples - conta Teshome. Na Etiópia, é comum que pessoas criem filhos de outros membros da família, mas adoções formais tendem a ser feitas por estrangeiros. A família de Teshome não aceita completamente seus filhos adotivos e a maioria "não faz qualquer referência a eles", ele explica. Mecanismos de Seleção É difícil obter dados oficiais na Etiópia. Segundo o advogado Dagnachew Tesfaye, que representou o órgão do governo etíope que cuida dos interesses da criança e do jovem em vários casos de adoção, cerca de 5 mil crianças por ano são adotadas por estrangeiros no país. Nos Estados Unidos, quase 19% das crianças adotadas no exterior são da Etiópia - informou o Departamento de Estado americano. Talvez o caso mais famoso seja o da atriz Angelina Jolie, que adotou a menina Zahara. Adoções internacionais de crianças custam cerca de US$ 25 mil. Teshome disse, no entanto, que pagou cerca de US$ 300 para adotar seus filhos domesticamente. Dagnachew, que também atuou como juiz em muitos casos importantes de adoções internacionais, disse que se por um lado os custos são altos - levando a acusações de irregularidade em alguns processos -, por outro o governo não está lucrando de maneira alguma com elas. Ele acrescenta que os valores pagos aos tribunais, por exemplo, são "ridiculamente pequenos", e que o restante é abocanhado pelas agências que intermedeiam as adoções internacionais. Dagnachew explica ainda que o governo etíope vê a adoção internacional como uma das medidas para se tentar lidar com o grande número de órfãos no país - estimado em 5 milhões. A população da Etiópia é de 85 milhões de pessoas. As Nações Unidas definem um órfão como uma criança que perdeu o pai ou a mãe, ou ambos. O Ministério de Assuntos da Mulher na Etiópia também está criando mecanismos para assegurar que as famílias adotivas sejam adequadamente selecionadas. Isso pode incluir visitas às crianças em seus novos lares no exterior. 'Apaixonados' Shaughnessy conta que optou por adotar na Etiópia por considerar o processo de adoção no país "aberto" e "ético". Ela explica que as crianças têm acesso a informações sobre suas famílias biológicas. Assim que entrou em contato com a agência para adoções em Minnesota - a agência que a colocaria em contato com um orfanato do governo etíope - Shaughnessy recebeu uma visita de um representante do governo da Etiópia. Ela disse que receber um telefonema informando-a de que uma criança havia sido alocada para ela foi "incrível". O casal viajou para a Etiópia para conhecer o menino Teshale e iniciar o processo para levá-lo aos Estados Unidos. Shaughnessy conta que quando ela e o marido encontraram o futuro filho no orfanato em Adis-Abeba - onde ele vivia há um ano, após ter sido levado para lá por sua mãe biológica. "Nós já havíamos nos apaixonado por ele, mas ele não sabia quem éramos", conta. Teshale, que tinha menos de dois anos na época, estava assustado e confuso, diz Shaughnessy. "Ele sabia que algo estava acontecendo mas não sabia o quê." O menino chorava cada vez que saía do orfanato para passar tempo com o casal. Uma vez nos Estados Unidos, os pais adotivos optaram por manter o nome que a mãe biológica de Teshale havia dado a ele. Shaughnessy explica que mantém contato constante com outros pais que adotaram crianças da Etiópia. 'Ato de agressão' A adoção internacional continua sendo, no entanto, uma prática polêmica. Um caso famoso é o do poeta Lemn Sissay, que vive na Grã-Bretanha. Após dar à luz o menino na década de 1960, na Inglaterra, a mãe de Sissay entregou o filho ao sistema de assistência à criança na Grã-Bretanha para ser adotado. Depois disso, retornou à Etiópia. Sissay diz que não-africanos deveriam ser "monitorados" de perto quando procuram adotar crianças africanas e que se por um lado existem muitos pais adotivos bons, "ter um bebê africano é com frequência um sinal, para os pais adotivos não-africanos, de suas credenciais filantrópicas, políticas, familiais ou religiosas". Para o escritor, "tirar uma criança de outra cultura é um ato de agressão". A consultora independente Selamawit, que trabalha com organizações ligadas à mulher em Adis-Abeba, entrevistada sob um nome fictício para sua proteção, tem as mesmas preocupações que Sissay em relação ao processo de seleção de pais adotivos. Ela diz, no entanto, que "a adoção em princípio não é uma coisa ruim", embora seja melhor para as crianças permanecerem com os pais biológicos ou, se isso não for possível, com parentes. Na sua opinião, a adoção na Etiópia tornou-se um negócio muito lucrativo, onde os interesses da criança parecem secundários. Selamawit diz também que existe uma necessidade grande de se monitorar adoções internacionais, formais ou não, já que crianças podem ser obrigadas a fazer trabalhos forçados quando são enviadas a membros da família. Esses casos tendem a escapar dos mecanismos de monitoramento. A consultora sugere que o dinheiro gerado com as adoções deveria ser investido nos orfanatos para ajudar as crianças que ficaram para trás. Histórias Positivas Cinco anos após ter sido adotado, Zeberga é hoje maior de idade, e sua irmã tem 16 anos. Seu pai adotivo, Teshale, é dono de um bem sucedido restaurante em Adis-Abeba. Ele diz que alguns dos amigos que inicialmente desaprovaram seus planos de adotar acabaram, mais tarde, oferecendo grande apoio a ele e aos filhos. "Nós nos tornamos realmente uma grande família", conta. Shaughnessy também parece feliz com sua decisão. "Somos para lá de apaixonados por ele", diz, em referência ao filho adotivo. "Mal consigo compreender, tão incrível é o que aconteceu", disse. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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