Em decisão inédita, fabricante de armas é condenado nos EUA

"O Júri", livro e filme, anteciparam essa decisão POR SÉRGIO VAZ A literatura e o cinema se antecipam à vida. O que acaba de acontecer nos Estados Unidos - o primeiro pagamento feito por um fabricante de armas de fogo a vítimas de crimes - está disponível nas livrarias e nas locadoras. Chama-se O Júri (em inglês, The Runaway Juri). O filme mostra que este é o grande pavor da poderosíssima indústria de armas de fogo americana: se um júri decidisse condenar o fabricante de um rifle, um revólver, uma pistola, a indenizar a família de uma vítima de assassinato cometido com uma arma dessas, estaria aberto o precedente para que em breve dezenas, centenas, milhares de outros júris tomassem a mesma decisão. No livro de John Grisham no qual o filme de Gary Fleder se baseia, o que estava em julgamento era a indústria do fumo. Os parentes de uma pessoa que morreu de câncer pediam uma indenização do fabricante de cigarros. O livro é de 1996. De lá para cá, o que apavorava a indústria do fumo tornou-se realidade corriqueira: em vários tribunais, os parentes de mortos por câncer obtiveram vitórias. Ao transpor a história criada por Grisham para o cinema, os quatro roteiristas que trabalharam para o diretor Fleder no filme produzido no ano passado tiveram a esperta sacação de trocar o papel de vilão: saiu a já derrotada indústria do fumo, entrou a então sempre vitoriosa nos tribunais indústria de armas. Além de mais atual, ficou muito melhor assim. Por mais que reclamem os antitabagistas, os produtos da indústria de armas são bem mais letais, ligeiros e cruéis, do que o cigarro. O estrago que fazem é maior. O fumante sabe muito bem dos males do vício. As vítimas das armas de fogo são absolutamente inocentes de qualquer crime. Se você ainda não leu O Júri, aproveite para ler agora. Há quem ache que este é o melhor livro desse ex-advogado que tem sérias críticas a fazer aos advogados, ao sistema judiciário e a toda a forma com que se organiza a sociedade de seu país. O livro é fascinante, daqueles que você não consegue largar uma vez começado. Se você ainda não viu O Júri, aproveite para ver agora. Além de tratar de um tema tão atual, tão importante, é um bom filme. Já valeria apenas pela sequência - uma única sequência, num filme de 128 minutos - em que se defrontam, um como um criminoso de colarinho branco a soldo da indústria de fumo, o outro como um advogado idealista e bem intencionado, os gigantes Gene Hackman e Dustin Hoffman. Da mesma geração (Hackman é de 1931, Hoffman é de 1937), carreira iniciada na mesma época (final dos anos 60), eles estão no auge de seu talento, neste que foi o primeiro e único encontro dos dois nas telas. E esta é apenas uma sequência. O filme tem vários outros pontos altos - a começar da própria abertura, o massacre de várias pessoas comuns por um louco franco-atirador.

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Por Agencia Estado
Atualização:

A fabricante de armas Bushmaster Firearms e a loja de departamento Bull`s Eye Gun Shop concordaram em pagar o total de US$ 2,55 milhões aos familiares das vítimas de dois assassinos em série. Durante o mês de outubro de 2002, John Allen Muhammad e seu enteado, John Lee Malvo, mataram dez pessoas e feriram outras três nas imediações de Washington. Eles usavam um fuzil XM15, de calibre .223, da Bushmaster. A arma foi comprada na Bull`s Eye, que arcará com a maior parte da indenização ? US$ 2 milhões. Assim que foram anunciados os termos do acordo, os advogados da fabricante fizeram questão de destacar que não reconhecem a culpa da empresa. Eles tentaram dar uma motivação nobre à decisão da empresa de optar pelo pagamento. ?Preferimos acabar logo com isso e direcionar o dinheiro que seria gasto com advogados para as vítimas?, declarou um representante da empresa. ?Não se trata de dinheiro?, rebateu Vitória Snider, irmã de uma das vítimas fatais. ?Trata-se de dar o exemplo para que se criem regras específicas para as empresas e pessoas que trabalham com armas de fogo.? A Bull`s Eye, além de punida com uma multa mais pesada, se comprometeu a intensificar o treinamento que realiza com seus funcionários destacados para a venda de armas. A empresa foi considerada culpada por ser negligente na comercialização do fuzil utilizado pelos atiradores. Os advogados representantes das famílias comemoraram, julgando o veredicto como uma decisão histórica. Este será o primeiro pagamento feito por uma fabricante de armas de fogo a vítimas de casos de natureza criminal. ?Nós consideramos essa sentença como um grande avanço. É a primeira vez que um fabricante (de armas de fogo) paga pelos danos causados por seu produto?, disse Dennis Heningan, um dos advogados das vítimas e diretor do Brady Center para Prevenção contra a Violência com Arma de Fogo. Os assassinos John Mohammed, ex-sargento do exército norte-americano, estava na ativa durante a Guerra do Golfo (1991), mas não há registros de que tenha participado dos combates no local. Teve também participação importante como segurança no movimento extremista Nação do Islã, o que levou as autoridades dos Estados Unidos a acreditarem que ele agia por antiamericanismo. Lee Malvo não recebeu a pena capital, pois o júri considerou que sua participação nos assassinatos era influenciada pelo enteado. Muhammad foi condenado à pena de morte; Lee Malvo à de prisão perpétua. Ambos foram julgados sob a nova lei antiterrorista, aprovada após os ataques de 11 de setembro. Tinham 41 e 17 anos, respectivamente, no mês dos crimes.

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