Em defesa do livre-arbítrio

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Por Gilles Lapouge
Atualização:

O início da operação sobre a Líbia foi bem-sucedido. As primeiras ações francesas, britânicas e americanas já diminuíram a terrível opressão das forças do coronel Muamar Kadafi sobre Benghazi. Os rebeldes líbios estão aliviados: eles têm a impressão de ter sido salvos pouco antes do massacre. Salvos por quem? Pela coalizão que o presidente francês, Nicolas Sarkozy, conseguiu organizar em tempo recorde. Nas cidades líbias, agora livres do medo, ouve-se aclamar a França e gritar o nome de Sarkozy, coisas que não costumam ocorrer com frequência. E como é bom! Entretanto, há alguns pontos pouco claros, o que é natural numa ofensiva tão complexa, montada com tanta rapidez. O primeiro-ministro francês, François Fillón, foi o idealizador da operação chamada Odisseia da Alvorada, uma expressão sofisticada, poética e menos grosseira do que "Martelo do Deserto", ou "Chumbo Fundido", como foram chamadas outras missões. Na França, é o "Harmattan", o vento muito quente que sopra no Saara. Mas quem a dirige, na realidade? Os americanos, que já travam duas guerras contra os muçulmanos no Iraque e no Afeganistão, proclamam que não são os coordenadores do projeto. No entanto, na cadeia dos comandos, parece que sabem administrá-la muito bem. A coordenação aérea foi garantida pela base americana de Stuttgart, na Alemanha. Não é uma tarefa simples. A única instância dotada de uma estrutura integrada para dirigir esta operação é a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). No início, a França deixou a Otan de lado. De maneira nenhuma, afirmou Sarkozy. Americanos e britânicos se curvaram. Entretanto, se a ação se prolongar, será preciso rever o plano. A coordenação passaria, então, a ser feita a bordo do navio americano Mount Witney, pelo comandante da Marinha dos Estados Unidos na Europa, que também é o chefe do quartel-general regional da Otan em Nápoles. Então? Não se trata de uma simples questão técnica. Existem também questões políticas. O temor de todos os membros da coalizão é a de que a ação seja entendida pelos países árabes e seus amigos como uma nova guerra dos povos do Norte contra os povos árabes (depois do Iraque e do Afeganistão). Por esse motivo a operação foi cercada de uma prudência extrema, paralisante: não haverá combates terrestres, não haverá nenhum soldado em terra, não haverá deslizes, nem bombardeios de populações, etc. São temores bastante justificados porque, desde o primeiro dia, a Liga Árabe, que inicialmente aprovou a operação, emitiu o alarme, advertindo que os ataques iniciais já ultrapassaram o quadro previsto pela Resolução 1.973 da ONU. A Rússia e os países africanos também expressaram suas críticas. A coalizão, por sua vez, procura envolver os países árabes. O que será difícil. Mesmo que não gostem de Kadafi, eles estão "à beira de um ataque de nervos" pela ingerência do Ocidente, dos EUA ou da Otan em seus assuntos. Até aqui, os únicos que aceitaram pôr um dedo na coalizão foram os Emirados Árabes Unidos e o Catar: modesto troféu e um troféu discutível. Restam dois pontos de interrogação muito importantes: o que acontecerá se a decisão não for tomada muito rapidamente pela frota franco-anglo-americana, caso a batalha se prolongue? E outra interrogação relacionada à anterior: qual é o verdadeiro objetivo da coalizão? Ela pretende uma mudança de regime, a deposição de Kadafi? Diante da indagação, todos os membros da coalizão assumem uma atitude virtuosa. "Absolutamente não", juram. "Equivaleria a intervir nos assuntos de um país soberano. Queremos apenas impedir o massacre dos civis e dos insurgentes. Nós nos limitamos a "defender certos valores", nada mais do que isso." Um único responsável ousou falar a verdade: o ministro do Exterior da França, Alain Juppé: "Deixemos de balelas. É evidente que o objetivo é permitir que o povo líbio escolha seu regime, e tenho a impressão de que sua escolha não recairá sobre o coronel Kadafi". / TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA

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